18/07/2022

LIVRO - Capítulo 1 - O Intruso

 
Leia no Wattpad: Os Últimos Humanos

CAPÍTULO 1 - O INTRUSO


"Hoje é o dia em que eu morro", Kaolin pensou consigo mesma. Uma jovem alta, de pele pálida, com olhos e longos cabelos castanhos, se encontrava deitada no chão frio da floresta. Seu uniforme verde escuro estava imundo e repleto de rasgos. Respirando fumaça e poeira, sem conseguir se mover, olhando para o céu completamente escuro, sentia a chuva caindo em seu rosto e o gosto de sangue em sua boca.

Devagar virou a cabeça para a direita e viu seus óculos vermelho escuro quebrados embaixo de um galho. O espaço ao seu redor estava completamente destruído, algumas árvores estavam em chamas e havia sangue por toda parte. Apesar da imensa dor, Kaolin tinha um sorriso em seu rosto:

— Inacreditável. — Disse ofegante enquanto tossia sangue.

Ela ainda conseguia ouvir os sons distantes de uma batalha perdida. Deixou sua cabeça virar para a sua esquerda, viu os corpos mutilados de seus companheiros espalhados por toda parte. Lentamente fechou seus olhos, lembrando-se dos gritos que há pouco eram tão vivos, onde agora apenas o som de sua respiração permanecia.

Ao tentar se mover, sentiu algo errado com sua perna esquerda. Juntando forças, inclinou a cabeça e viu o osso exposto. Com a perna quebrada e ferimentos por todo o corpo, ela respirou fundo e começou a devanear. Já não sentia mais dor, não se sentia mais viva.

Kaolin ainda tinha muito o que fazer, sonhos a serem realizados, mas se sentia completamente sem forças. Ao mesmo tempo em que pensava sobre todas as coisas inacabadas em sua vida, lembrou-se de sua irmã mais nova, Amana. Como ela reagiria ao saber de sua morte? Pensamentos estranhos começaram a dominar sua mente.

Essa era sua primeira vez na floresta. Era sua primeira missão. Após anos de intenso treinamento, estava indignada que morreria ali, sem viver as grandes aventuras que sentia que a aguardavam. Demorou tanto para fazer parte daquilo e agora tudo estava prestes a acabar.

Começou a pensar em todos os momentos que passou com sua irmã. Vagando por suas memórias, ao encarar uma chama que queimava à distância, lembrou-se de algo que lhe contaram quando era mais nova: a história do espírito Rhombeatus, também conhecido como Víbora da Noite.

Dizem que na região de Ednargoir, houve um período de noite sem fim e a escuridão absoluta liberou algo maligno que fez com que todos os animais do local entrassem em combustão espontânea, misteriosamente restando apenas seus olhos intactos. Essa energia maléfica despertou Rhombeatus, uma gigantesca serpente que dormia nas profundezas do rio a milhares de anos. Por ter despertado na escuridão, conseguia ver bem por ela sem ser afetado como os outros seres.

Ao sair faminto e perceber que todos os animais haviam morrido, tudo que lhe sobrou para comer foram os olhos. Quanto mais olhos a Víbora da Noite comia, melhor enxergava. Com o tempo, seus olhos se transformaram em chamas, ficando cada vez mais fortes, iluminando a escuridão ao redor da criatura. Acredita-se que quando se olha nas chamas de Rhombeatus, o fogo intenso lhe queima o corpo, apenas restando seus olhos à serem ingeridos pela víbora.

Os anciãos acreditavam que o único jeito de sobreviver ao encontro desse espírito era ficar parado, sem respirar e com os olhos bem fechados, até que ele fosse embora. Os mais jovens achavam que se entregassem seus olhos de bom grado, sem resistência, sua vida seria poupada. A verdade é que não há ninguém vivo que tenha sobrevivido ao seu encontro, restando apenas histórias antigas.

Muitos teorizam que a água do rio onde Rhombeatus vive é a mais poderosa de todas. Alguns acreditam que ela é capaz de trazer os mortos de volta à vida, enquanto outros creem que podem virar espíritos ao ingeri-la. Apesar de ninguém ter certeza, a teoria mais aceita é que quando a Víbora da Noite despertou, sua energia maligna libertou outros espíritos, que se espalharam pelo mundo, dizimando os humanos ao comando da serpente.

Enquanto se lembrava desse conto, Kaolin sentia estar flutuando. Era como se estivesse recebendo um abraço acolhedor. Tentou abrir os olhos uma última vez e notou movimentos antes de perder a consciência.

Quando acordou, sem saber quanto tempo havia se passado, Kaolin viu o céu se movendo, imaginou que alguém a carregava, mas desmaiou antes que pudesse reunir forças para entender o que realmente estava acontecendo.

De repente ela despertou. Ao perceber a situação em que se encontrava, tentou gritar, mas a voz não saiu. Kaolin estava amarrada e jogada no canto de uma caverna. Ao seu redor, uma pequena fogueira, muitos ossos espalhados pelo chão e um cheiro horrível que nunca havia sentido antes. O fogo não era forte o bastante para iluminar todo o local, restando apenas a escuridão.

Sem conseguir se mover ou pedir ajuda, ela sentiu um vento frio vindo de fora. O fogo se apagou. Ao olhar para a entrada da caverna, nota que não está mais chovendo, mas algo se aproximava. Uma silhueta iluminada pela luz do luar vinha em sua direção.

Com o coração disparado, sentindo sua cabeça pulsar de dor, Kaolin luta com todas as suas forças para tentar escapar do grande ser que se aproximava. A figura misteriosa se preparava para atacar, quando Kaolin finalmente conseguiu gritar:

— AAAAAH!!! Kaolin levanta com um movimento rápido.

— Calma! Está tudo bem! — Disse a voz ao seu lado.

Com gentileza, sua irmã a cobre novamente. Amana é mais baixa do que a irmã mais velha, mas tão pálida quanto, tem cabelos curtos e um pouco mais escuros, mas os olhos são o mesmo e exato castanho brilhante. Ela também usava óculos, assim como Kaolin.

Amana vestia uma camiseta cinza por baixo do moletom com capuz preto. Usava uma saia azul marinho comprida, que se estendia até suas canelas, com longas meias pretas. Tinha um tênis preto de cano médio com detalhes brancos. A garota sempre gostou de roupas em tons escuros.

Kaolin se encontrava deitada em uma cama na enfermaria. Uma pequena sala iluminada por velas em caixas de vidro penduradas nas paredes, com apenas duas camas, uma mesa quadrada e uma prateleira. Não haviam janelas no cômodo, somente uma entrada onde ao invés de uma porta, havia uma longa cortina verde.

— O que aconteceu? — Suando frio e ofegante, Kaolin perguntou confusa.

— Vocês foram atacados lá fora. — Amana respondeu com calma, tentando tranquilizar a irmã. — Você é, é a única sobrevivente... Eu, eu sinto muito. Mas é realmente um milagre você não ter morrido.

— Única sobrevivente? — Kaolin fechou os olhos com força tentando se lembrar.

— Vocês foram buscar suprimentos... — Amana colocou a mão sobre o ombro da irmã. — Sei que vocês não eram muito próximos, sempre escolhem pessoas aleatórias para os grupos que vão lá fora, mas eu realmente sinto muito.

— Eles escolhem aleatoriamente justamente porque ninguém quer ir. — Os olhos de Kaolin se encheram de lágrimas. — Nós nem fomos tão longe, ficamos na entrada da floresta colhendo frutos...

— Você sabe que eles vão te interrogar, certo? — Suspirou Amana. — Vão querer saber com detalhes o que aconteceu... — A irmã mais nova suspirava novamente, com o olhar perdido encarando suas mãos.

Sentindo uma dor inexplicável, Kaolin começa a se lembrar e pergunta confusa:

— Então a caverna não foi real!? Foi um sonho? Perdi a consciência após o ataque e acho que tive um pesadelo horrível! — Colocando a mão na testa, novamente sentindo aquela dor agonizante, encarou a irmã. — Meus óculos!

— Aqui. Trouxe os reservas que tinha em casa. — Amana coloca os óculos na prateleira ao lado da cama. — Também trouxe suas roupas.

— Obrigada! — Percebendo que só vestia uma túnica branca, Kaolin fez cara de desgosto. — Calma! Se sou a única sobrevivente, como foi que eu voltei? — Finalmente Kaolin faz a pergunta que a irmã estava aguardando.

— Essa é a parte interessante! — Amana olhou para ambos os lados, como se estivesse se preparando para revelar um segredo. — Um rapaz te trouxe!

Checando seus ferimentos, Kaolin se espanta:

— Não estou bem para esse tipo de brincadeira, acabei de voltar de um ataque onde quase perdi a vida e você inventa essas besteiras... — Estranhamente seu corpo parecia bem.

— Não estou mentindo! Ele te trouxe e te entregou aos guardas que estavam de vigília, mas o mais estranho é que tentou voltar para a floresta! — Amana disse empolgada enquanto arrumava os óculos azul escuro que escorregaram de seu rosto.

— Isso é ridículo! — Kaolin revirava os olhos. — Todos sabem que não existem humanos fora da Cidadela. — Ao olhar para sua perna esquerda, onde acreditava ter visto um osso exposto, agora restava apenas uma cicatriz.

— Os guardas acharam que ele estava confuso e o prenderam para "a segurança dele", impedindo que voltasse para a floresta, mas ninguém sabe nada sobre ele e o rapaz se recusa a falar qualquer coisa! — Amana sussurrava, sempre checando a entrada, enquanto organiza os livros em sua bolsa. — Ele é o primeiro humano de fora que temos contato desde que a Cidadela foi fundada.

Kaolin sentiu sua cabeça girar. Não conseguia entender como não estava mais ferida ou do que se tratava toda essa história de um rapaz de fora. Nada fazia sentido. Ela sentiu que iria vomitar, quando a enfermeira Lupi entrou trazendo uma jarra de água e mais faixas em uma bandeja.

— O que pensa que está fazendo aqui? — Lupi disse com um olhar severo. — Volte já para a escola!

— Eu só queria ver como ela estava... Já vou indo... — Amana pegou sua bolsa, sorrindo e acenando para a irmã, saiu correndo da enfermaria.

Lupi era uma enfermeira idosa, não mais alta do que uma criança, com cabelos tão brancos que os jovens diziam conseguir enxergá-la no escuro.

— Sinto muito. — Lupi parecia preocupada. — Está realmente cada vez mais difícil conseguir recursos.

Kaolin suspirou enquanto pegava um copo de água que a enfermeira acabava de trazer.

— Você tem muita sorte mesmo, — Continuou Lupi. — poderia ter morrido lá na floresta! Sei que estavam em busca de suprimentos, mas é um trabalho muito arriscado para alguém tão jovem.

Enquanto Lupi falava sem parar, Kaolin foi sentindo a voz da enfermeira ficar cada vez mais distante, até que adormeceu novamente.

***

No dia seguinte, Kaolin acordou se sentindo estranhamente relaxada. Ela usava as roupas que sua irmã havia lhe trazido. Uma camiseta branca simples, uma calça marrom claro cheia de bolsos, que ela adorava colocar a barra por dentro do coturno preto herdado de sua mãe, e suas luvas marrom escuro preferidas.

A jovem ainda se sentia confusa sobre o que exatamente havia acontecido, mas não teve tempo de colocar os pensamentos em ordem, pois Tokku acabava de entrar na enfermaria.

Ele é o responsável pelos grupos que saem da Cidadela e pela checagem de equipamentos que usavam. Todos o chamavam de Capitão. Um homem alto, forte e com um olhar frio, que carregava em suas costas as expectativas que se esperam de um bom líder.

Seus cabelos castanhos avermelhados estavam bem penteados e a barba feita. Seu uniforme verde escuro estava limpo e impecável. O rapaz tinha um dos olhos mais escuros da Cidadela, tão pretos e brilhantes quanto uma pedra ônix.

— Tokku! Que bom que finalmente decidiu aparecer! — Disse Kaolin com entusiasmo, finalizando o cabelo em um rabo de cavalo.

— Já disse para me chamar de Capitão. — respondeu Tokku balançando a cabeça em desaprovação. — Quando vim ontem você estava dormindo e achei melhor deixá-la descansar.

— Eu já estava indo te procurar. — Kaolin colocava os óculos e se preparava para partir.

Tokku estava acompanhado de dois guardas. Fazendo um sinal com a mão para que eles esperassem lá fora, aguardou até que estivesse sozinho com Kaolin na sala. No mesmo instante em que a cortina verde da entrada se fechou, Tokku imediatamente a abraçou com força.

— Tokku... — Kaolin disse com tristeza. — Eu sinto muito.

— Achei que nunca mais a veria. — Sussurrando, Tokku a segurava em seus braços como se nunca mais fosse soltá-la.

— Eu realmente sinto muito. — Com os olhos cheios de lágrimas, levantando os braços lentamente, Kaolin coloca suas mãos nas costas de Tokku.

Após uma breve conversa, o Capitão e Kaolin saem da enfermaria, junto com os dois guardas, em silêncio caminhavam até a Sala dos Anciãos, um lugar sagrado e respeitado por todos. Era a primeira vez que Kaolin entraria no local.

Na enfermaria, Tokku a alertou sobre o que aconteceria, que iriam questioná-la sobre o ataque. Pediu para que ela permanecesse calma e tentasse se lembrar, mas que não inventasse algo ou mentisse. Deveria ser o mais honesta possível.

Andaram pela Cidadela por alguns minutos até chegarem na entrada de um túnel. Um corredor tão comprido que parecia não ter fim. Não haviam velas, a única iluminação vinha de cristais que brilhavam na escuridão, espalhados pelas paredes e pelo teto.

Kaolin aproveitou o longo tempo em que caminhavam para pensar no que diria quando chegasse a hora. No final do longo túnel, parada em frente às grandes portas, sentiu um calafrio. Enfim haviam chegado. Mais dois guardas os esperavam. Aquela era a única sala em toda a Cidadela onde haviam portas reais ao invés de cortinas na entrada.

Os guardas abriram as portas que produziram um som alto, ecoando pelo extenso corredor por onde vieram. Kaolin deu um passo para trás, se protegendo na sombra do Capitão. A sua frente estava um grande salão, mal iluminado, mais escuro do que o resto da Cidadela. No centro, uma mesa redonda com cinco cadeiras, e em cada uma delas sentava um dos anciões da fortaleza.

Kaolin tinha um mal pressentimento sobre o lugar. Ela e Tokku se aproximaram da mesa.

— Então essa é a única que voltou com vida? — Disse o ancião mais próximo, olhando com tristeza.

— Exato. — Tokku respondeu com firmeza.

— Venha criança, chegue mais perto. — Ordenou uma senhora que tinha uma áurea sombria e parecia ter mais de cem anos. — Conte-nos o que aconteceu.

Olhando para Tokku, que sinalizou positivamente com a cabeça, Kaolin se aproximou da mesa. Os anciãos pareciam todos iguais para ela, ainda mais com a péssima iluminação, não dava para ver nada com clareza no local. Eles usavam algo que se pareciam com túnicas vermelhas. Aparentemente havia apenas uma mulher, que parecia ser a mais velha de todos.

— Bem, eu... — Com o olhar de Tokku em suas costas, Kaolin se sentiu em segurança. — Ontem foi minha primeira missão fora da Cidadela. Seguimos todos os procedimentos e protocolos de segurança. Tivemos a orientação final pela manhã e saímos após o almoço. Tudo ia bem até... — Ela sentiu sua cabeça doer, como no dia do ataque.

— Até...? — A anciã fez um sinal para que continuasse.

— Eu, eu não lembro exatamente. — Kaolin colocou as mãos em suas têmporas, massageando-as.

Os anciões se olharam perturbados.

— O que significa isso, Capitão Tokku? — Gritou um dos senhores que até agora não havia dito nada.

— Não tive tempo de interrogá-la, — Tokku tentou explicar. — ela estava inconsciente. Como instruído, a trouxe logo que acordou.

Os anciãos começaram a falar todos ao mesmo tempo. Tokku escutava em silêncio. A cabeça de Kaolin pulsava de dor. Ela não estava entendendo a situação.

— Como isso vai nos ajudar? — Falou a senhora que Kaolin achava ter duzentos anos.

— Olha, — Kaolin disse irritada. — não sei o que vocês esperavam exatamente, mas nós fomos lá, pegamos os alimentos, estava tudo indo bem, até que fomos atacados. Vai saber como ou por quem!

Todos a escutavam em silêncio. Ela começou a levantar a voz. 

— Acredito que tenha sido por um espírito, mas não lembro de nada do ataque. Só lembro de acordar na enfermaria após um sonho horrível!

— Quem atacou o grupo? — Questionou um dos anciãos.

— Não sei o que dizer, não lembro o que aconteceu durante o ataque. — Suspirando, Kaolin disse mais calma.

— Foi antes do pôr do sol ou já havia anoitecido? — O mesmo ancião perguntou novamente.

— Não faço ideia. — Kaolin fechou os punhos com força.

— Ela é tão inútil quanto o intruso que se recusa a falar. — Resmungou a anciã que com certeza tinha trezentos anos. 

A garota estava prestes a explodir.

— Capitão Tokku, leve-a de volta. — O ancião que estava no fundo da sala falou.

Kaolin não havia reparado que tinha mais alguém no local, ao procurar pela origem da voz, notou uma sombra distante. Parecia que alguém estava sentado ao lado de uma pequena porta no canto da parede à direita, no fundo da sala. Espremendo os olhos, a garota se esforçou para ver o rosto dele. Enquanto encarava confusa a escuridão, sentiu Tokku segurar em seu braço.

— Menina, este assunto é confidencial. Os moradores não sabem sobre o rapaz e esperamos que continue assim. — Finalizou a velha olhando-a com desprezo.

Saindo do salão, as portas se fecharam. Quanto mais se afastavam de lá, mais Kaolin sentia a dor diminuir. Os dois caminharam em silêncio. Ao enfim saírem do túnel, ela sentou no chão, respirando aliviada. Desde pequena escutava os boatos sobre a Sala dos Anciãos. As crianças adoravam inventar histórias sobre o que acontecia lá dentro, mas ninguém nunca tinha coragem de chegar perto do túnel que dava acesso ao local.

— Não acredito que a famosa Sala dos Anciãos é apenas um salão escuro e fedido com um bando de múmias. — Kaolin tinha um sorriso sem vergonha no rosto. — Aquela senhora tinha uns quatrocentos anos!

— Quanta imaturidade... — De braços cruzados, Tokku revirava os olhos. — Ela não pode ter menos do que quinhentos.

Os dois se olharam e caíram na risada.

— Preciso voltar ao trabalho. — Tokku se despedia lamentando. — Quer que te acompanhe?

— Não há necessidade. — Kaolin enxugava a lágrima que escorria de tanto rir.

— Nos vemos mais tarde. — Ele sorriu. — Diga para a Amana que estarei lá no jantar.

— Pode deixar! — A garota se levantou.

Tokku teve muitas responsabilidades desde cedo, se tornando Capitão com apenas dezoito anos. Constantemente sofre pressão dos superiores, dos anciãos e dos moradores da Cidadela, além dele mesmo. Apesar de passar a imagem de ser frio e calculista, é um jovem bem humorado.

Kaolin olhava o amigo caminhar a distância, até desaparecer. Com a mão em sua perna, sentindo a cicatriz onde o osso havia sido exposto, sua expressão muda, encarando o túnel com curiosidade uma última vez. Respirando fundo, ela  estica os braços o mais alto que consegue, se espreguiçando, e começa a caminhar.

Apesar de confusa, tem segurança sobre o seu destino, sabe bem para onde está indo. Ela precisava de respostas. E somente uma pessoa ali poderia fornecê-las.

Caminhando pelos corredores da Cidadela, Kaolin enfim chegou em seu destino: um local que funcionava como uma espécie de prisão. Rapidamente pensou em um plano para distrair o único guarda que se encontrava na entrada.

— Uma senhora precisa de ajuda no andar inferior! — Kaolin gritou em desespero. 

O homem a olhou assustado.

— Ela caiu, tentando segurar uma sacola e um bebê, — Se agarrando nas roupas do guarda, chacoalhando suas vestes, a garota continuou. — e ela está gritando muito, eu não sei o que fazer, por favor!

Chorando, Kaolin se joga no chão e finge estar sem forças. Sem entender direito a situação, o guarda correu na direção em que ela apontava.

Amana sempre odiou o talento de atuação da irmã mais velha, que conseguia fingir convincentemente as mais variadas situações, sempre pregando peças nos colegas.

Kaolin olha disfarçadamente, verificando se o guarda já se foi, então se levanta e entra na prisão. Não era um lugar muito grande, haviam apenas três celas pequenas. Também não era muito vigiado, como não ocorriam crimes na Cidadela, raramente usavam o local.

Lá no fundo, na última cela, se encontrava o misterioso rapaz deitado no chão. Kaolin se aproximou lentamente. Segurando as grades com as duas mãos, espremendo o rosto entre elas, como se tentasse entrar para observar melhor o jovem no escuro.

— Ei! — Sussurrou Kaolin. — É você quem me achou na floresta?

Ele não se moveu.

— Eeeiii... — Kaolin espremia ainda mais o rosto entre as duas barras. — Você sabe o que aconteceu?

O rapaz parecia nem respirar.

— Eeeeeiiiii!!! — Ela gritou sem paciência.

Kaolin o observou por alguns instantes. Ele parecia ser pouca coisa mais alto do que ela. Era a pessoa mais bronzeada que já tinha visto! "Realmente veio da superfície", pensou a jovem. Ele não tinha sapatos e suas roupas estavam imundas e em péssimas condições. Não conhecia ninguém com cabelos tão escuros quanto os dele.

Suspirando lentamente, sem saber o que fazer, a garota começou a se afastar da grade. Quando em um piscar de olhos, o rapaz já estava de pé e puxava Kaolin pela gola da camiseta, aproximando seu rosto entre as barras novamente.

— Se você quer respostas, me tire desse buraco. — Ele disse encarando fundo nos olhos dela.

— Só se você me soltar! — Kaolin enfiou um pé na cela, tentando chutá-lo.

O rapaz se afastou rapidamente, voltando para a parte escura do cômodo. Agora de pé, encostado da parede, cruzou os braços aguardando. Kaolin sussurrou:

— Olha, eu posso te tirar daí, mas primeiro você tem que me dizer quem é ou de onde veio... Não posso soltar um lunático na Cidadela.

Ele não respondeu.

— O que aconteceu ontem? — Kaolin insistiu. — Você viu algo durante o ataque?

O rapaz continuou em silêncio.

— Você pode ser perigoso... Como posso confiar em você?

— Eu salvei sua vida, não salvei? — Ele disse seriamente.

Os dois se encararam por um momento, e estranhamente, Kaolin sentiu que podia confiar nele. Ela tinha fama de ser impulsiva e às vezes até imprudente. Então resolveu arriscar.

— Meu nome é Kaolin. E o seu?

— Endi.

Sorrindo, Kaolin tira as chaves das celas de seu bolso. Havia pego elas enquanto chacoalhava as roupas do guarda fingindo desespero. Ela abre a cela e deixa as chaves penduradas na fechadura. Devagar, os dois se aproximam da entrada. O guarda ainda não tinha voltado. Fazendo um sinal para que Endi a seguisse, os dois correram.

Ao olhar para baixo, na direção do andar inferior, Kaolin escutou o guarda insistindo em ajudar uma senhora que parecia irritada.

— Eu não preciso de ajuda! — Resmungava a mulher.

— A senhora não está ferida? — Perguntava o guarda. — Onde está o bebê?

— Já disse que não tenho nenhum bebê!

— Não precisa se forçar, posso te ajudar!

Foi realmente uma grande coincidência ter uma senhora naquele local. Apesar de se sentir mal por enganar o guarda que agora perturbava uma idosa que estava perfeitamente bem, Kaolin ficou feliz por conseguir libertar o rapaz que procurava.

Um pouco mais à frente, eles entraram em uma sala abandonada. Mal recuperaram o fôlego e Kaolin já começou a falar:

— Está bem! Te tirei de lá! Agora me fale tudo o que você sabe!

Endi a encarou revoltado.

— Que cara é essa? — Kaolin devolveu o olhar com revolta. — Você disse que ia me contar a verdade se eu te tirasse de lá e eu tirei!

Confuso com toda a situação e nervoso por ter sido trancado em uma cela, Endi respondeu:

— Eu quis dizer me tirar desse buraco! — Ele apontava ao redor com ambas as mãos.

— Achei que era só para te tirar da prisão. — Kaolin cruzava os braços. — O senhor não foi muito específico, não é mesmo? — Agora ela imitava o movimento de Endi com ironia. — A Cidadela inteira é um buraco!

Bufando, Endi virou o rosto, demonstrando indignação. Nesse momento reparou que a sala não era iluminada por velas, como a prisão. A luz vinha de cristais espalhados pelas paredes. Olhou admirado o brilho azulado que preenchia o local.

— O que é isso? — Apontando para um deles, Endi perguntou curioso.

— Nós chamamos de Cristal Berab. — Kaolin franzia as sobrancelhas. — Eles brilham no escuro e ajudam na iluminação da Cidadela.

Boquiaberto e encantado, Endi tocava os cristais.

— Tudo bem. O que você quer saber? — Endi disse enquanto respirava fundo.

— Foi você quem me salvou? Você viu o ataque? Quem nos atacou? As múmias também querem saber se foi de dia ou de noite... Ah! Eu não estava toda ferida? Os ferimentos foram reais, pois tenho as cicatrizes, mas como me curei? A caverna foi real ou um sonho? — Kaolin parecia que nunca iria parar de perguntar.

Endi olhava para ela horrorizado.

— Foi mal... — Suspirou Kaolin percebendo a expressão do rapaz.

— Sim, fui eu quem te trouxe. — Endi falava tranquilamente. — Não vi quem atacou seu grupo, quando encontrei vocês, todos já estavam mortos e já era noite. Você era a única com vida. Seus ferimentos eram reais, mas como você bebeu a água tocada pelos espíritos, ficou bem. Não sei de que caverna está falando. — Balançando a cabeça confuso, perguntou. — Múmias?

— Então a caverna foi realmente um sonho... — Kaolin parecia pensativa. — Múmias são os governantes daqui, depois explico. Água do que que você me deu?

— Água tocada pelos espíritos. — Endi disse sem emoção.

Kaolin fez uma expressão que deixou bem claro que ela não tinha ideia do que ele estava falando.

— Quando um espírito toca um rio, lagoa ou semelhante, aquela água ganha poderes curativos. — Endi explicou.

Com os olhos arregalados, Kaolin abriu a boca mas não disse nada... Seria difícil acreditar nas palavras de um desconhecido, especialmente sobre uma "água mágica", mas como ela presenciou os efeitos no seu próprio corpo, sentia que aquela era a maior descoberta da humanidade.

— De onde você veio? — Kaolin perguntou tentando não surtar.

— Da floresta. — Endi respondeu.

— Quer dizer que existem humanos fora da Cidadela? — Kaolin foi ficando mais agitada.

— Não conheço nenhum. — Endi disse baixinho.

— Você vive sozinho no meio dos espíritos? — Kaolin berrou.

— Eu vivia com meus pais, mas eles morreram. Então, sim. — Endi deu de ombros.

— Sinto muito. — Kaolin sussurrou.

Sem falar mais nada, ela sentou no chão, cruzou as pernas e os braços, fechou os olhos e começou a pensar. A garota percebeu que havia um meio de salvar vidas. Ninguém mais precisaria voltar ferido ou morrer na superfície. Eles só precisavam dessa água especial e tudo seria melhor.

Endi observou aquilo confuso, a garota era caótica na visão dele. Ela se levantou e olhou ao redor. Revirando as caixas e objetos que estavam ali, Kaolin encontrou uma capa velha com capuz.

— Vista. — Disse entregando-a a Endi. — Me siga.

Começaram a andar pelos corredores, até chegarem na borda de um precipício. Segurando em uma barra de segurança, uma leve brisa bateu em seu rosto. Endi olhou admirado. Como o prenderam às pressas e ele passou o resto do tempo trancado na cela, não havia observado o poder e a real grandeza da Cidadela.

O lugar era uma grande fenda, duas imensas paredes separadas por um abismo. Ficou encantando com a visão. Os humanos construíram moradias nas paredes do grande buraco, esculpindo passarelas e corredores como se fossem andares, fazendo túneis e salas que se expandiam no interior do solo. Tudo que ligava um lado ao outro eram algumas pontes. Endi nunca havia visto nada igual.

No teto, bem na parte central, havia um gigantesco Cristal Berab. O brilho que ele emitia era hipnotizante. Em tamanhos bem menores, pequenos cristais se espalhavam por toda parte. Os corredores também eram iluminados por velas em caixas de vidro presas nas paredes. À distância, Endi podia ver pessoas caminhando nas passarelas do outro lado. Kaolin achou engraçado a expressão no rosto do rapaz.

— Dizem que a Cidadela foi construída mil anos atrás. — Ela explicou entusiasmada. — Lá no fundo tem um pequeno riacho, onde pegamos água. Nos andares inferiores moram pessoas comuns e nos andares do meio os que chamamos de "os importantes". — Kaolin debruçou sobre a barra de proteção. — Nos andares superiores ficam as salas de reunião, a prisão, a enfermaria, essas coisas. Além de ser onde plantamos os alimentos, por ser mais perto da luz solar, quanto mais próximo da superfície, mais rico o solo... Ou pelo menos eu acho, é algo assim...

— Vocês nunca vão lá fora? — Endi perguntou enquanto ainda encarava o abismo.

— Não precisávamos até uns anos atrás, — Kaolin pareceu chateada. — Mas a população aumentou muito, então temos que sair para buscar outras fontes de alimento.

— Por isso vocês foram até a floresta? — Endi olhou para Kaolin que encarava o chão.

— Os anciãos decidiram há alguns anos que algumas pessoas seriam escolhidas para serem Exploradores, para irem até a superfície. — Passando os dedos no cabelo que balançava com a brisa, Kaolin fechou os olhos. — Como na época ninguém queria ir, pois todos temiam os espíritos, eles decidiram fazer a seleção através de uma espécie de sorteio. Toda vez que uma criança nasce, ela passa pelo sorteio dos anciãos, que decidem se a pessoa vai ou não ter esse destino.

Endi ficou horrorizado.

— Se você não for sorteado, pode viver sua vida normalmente dentro da Cidadela e escolher qualquer outro trabalho disponível. — Kaolin suspirou. — Mas se você for selecionado para se tornar um Explorador, deve passar o resto da vida treinando, para enfim, ao completar dezoito anos, sair da Cidadela em busca de suprimentos.

— Vocês não sabem nada sobre o mundo lá fora, sabem? — Perguntou Endi.

— Toda a informação que temos, resumidamente, é que vários anos atrás os espíritos começaram a atacar os humanos e a Cidadela foi construída para nos proteger. — Kaolin explicou. — Pelo menos é isso que nos explicam na escola. Também nos ensinam que não há humanos lá fora... Mas você está aqui! — Ela sentia como se sua vida nunca mais fosse ser a mesma.

— Não sei se existem outros humanos lá fora. — Endi falou triste. — Durante minha vida inteira meus pais falaram para ficar longe desse lugar. Por isso vivíamos na floresta. Com a morte deles, sem ter para onde ir, resolvi buscar respostas. Foi então que te encontrei.

— Seus pais te mantinham longe da Cidadela? — Kaolin olhou angustiada para o rapaz.

— Nunca me explicaram o motivo, apenas diziam ser um lugar perigoso. — Endi falou.

— Foi por isso que tentou ir embora quando me trouxe? — Kaolin se lembrou. — Os guardas falaram que você não queria entrar aqui.

— Eu, eu fiquei com medo. — Endi disse tímido.

Após alguns instantes em silêncio, os dois suspiraram ao mesmo tempo.

— O que quer fazer então? — Kaolin perguntou. — Quer voltar para a floresta ou procurar respostas na Cidadela?

Ainda confuso sobre tudo o que estava acontecendo em sua vida, o rapaz respirou profundamente.

— Não tenho mais nada lá fora. — Endi disse com tristeza encarando o teto escuro.

— Se vai ficar, precisa conhecer minha irmã, Amana! — Puxando o rapaz pelo braço, sem pensar duas vezes, Kaolin resolveu o levar até sua casa.

A Cidadela era uma construção complexa. O rapaz imaginava que se parecia com um formigueiro. Túneis e corredores que se encontravam, conectando os andares e levando-os a diferentes áreas.

— Como você sabe para onde está indo? — Endi se sentia em um labirinto.

— Cresci aqui! — Kaolin sorria animada. — Andei por esses túneis minha vida inteira!

A jovem andava rápido, cheia de energia, enquanto Endi olhava confuso tudo ao seu redor. Foram descendo alguns andares, passando por caminhos que pareciam iguais aos olhos do recém-chegado, até alcançarem a parte inferior, onde ficavam os moradores comuns.

Endi tentava disfarçar, mas não conseguia parar de olhar. Nunca havia visto tantas pessoas! Ele sentia um misto de emoções e sentimentos. Estava feliz por saber que não era o último humano, mas se sentia traído pelos pais, que esconderam isso dele por tanto tempo.

O rapaz cresceu achando que a Cidadela era um lugar sombrio e assustador, que certamente causaria sua morte. Agora percebia que todos ali pareciam pessoas felizes, e o lugar realmente transmitia uma aura de segurança.

— É impressão minha ou está mais frio? — Endi esfregava os braços com as mãos.

— Quanto mais fundo, mais gelado fica. — Kaolin disse rindo. — Se está achando frio agora, espere até chegarmos no último andar.

Com receio, Endi engoliu em seco. Resolveu voltar sua atenção para os humanos novamente. Haviam pessoas com a pele escura como a de seu pai, outros com olhos puxados iguais aos de sua mãe. Viu uma moça com cabelos alaranjados, como se fossem fogo. Um senhor com cabelos brancos. Dois jovens adiante tinham cabelos cacheados. Foi reparando na grande variedade de humanos que existiam.

Viu crianças pela primeira vez, correndo e dando gargalhadas. Seus olhos se arregalaram. Notou pessoas como seus pais, mas também viu outros enrugados, como os que Kaolin chamava de "múmias". O jovem estava tão fascinado observando os humanos que não percebeu onde estava.

No fundo do abismo ficava o décimo andar. Era o local mais frio da Cidadela. Acreditavam que o rio era o responsável por isso. As irmãs moravam em uma das casas mais afastadas.

— A Cidadela é dividida entre norte e sul. — Kaolin começou a falar do nada enquanto caminhavam. — O cristal gigante que você viu fica bem no meio, no centro de tudo. Aqui estamos na região sul, se passar para o outro lado do cristal, estará na região norte. Eu moro no paredão leste. Do outro lado do rio fica o paredão oeste.

— Qual o tamanho desse lugar? — Endi disse olhando para o teto que agora parecia tão distante quanto o céu.

— Se não me engano, tem uns três quilômetros de comprimento. — Kaolin fez uma expressão pensativa. — Os paredões leste e oeste são mais próximos nos andares superiores e mais distantes aqui nos inferiores. O outro lado fica bem mais longe aqui embaixo, além de ter o rio separando eles.

Endi ainda não havia se acostumado com a visão do lugar. Enquanto acompanhava Kaolin, admirava as construções pelo caminho. Como estavam na extremidade sul, quando olhou para a direção norte, conseguiu ver a Cidadela inteira. Lhe parecia um grande corredor comprido, duas longas paredes sem fim. Observando as luzes a distância, Endi comentou:

— Olhando daqui, não parece que tem tantos túneis e passagens.

— Realmente, parecem apenas paredes com buracos... — Kaolin finalmente parou de andar e observou ao redor. — Mas os túneis não vão tão fundo quanto você imagina.

Endi a encarou curioso, esperando por mais informações.

— Lá em cima, — Kaolin apontava para os andares superiores. — O solo não é tão duro, então é mais fácil de cavar e plantar. Colocaram vigas de madeira em pontos estratégicos para ajudar na segurança, mas não expandiram tanto com medo de desmoronamento. Os andares do meio são os que mais adentram o solo, pois tem a terra mais firme. Não sei se notou, mas aqui embaixo — Kaolin deu dois tapinhas de leve na parede. — são quase de pedra! Então não conseguiram avançar as escavações profundamente.

Endi imaginou se isso também contribuía para a baixa temperatura.

— No meio, entre os dois paredões, — Kaolin balançava os braços estranhamente. — temos esse espaço vazio. Então quanto mais perto da borda, mais ventilada é a sala. Nos túneis mais distantes e profundos, o local é mais abafado.

Endi se preparava para fazer mais perguntas sobre a Cidadela, mas sua barriga fez um barulho alto e claro. Kaolin sorriu e fez um sinal para que continuassem a andar. Poucos metros a frente, a garota parou em uma entrada com uma cortina amarela e disse: "Chegamos".

CURIOSIDADES


Nomes

A palavra Kaolin significa "bela jovem" em tupi.

A palavra Amana significa "chuva" em tupi.

Tokku é um nome inventado (thokku é um tipo de picles do sul da Índia).

A palavra Endi significa "luminosidade" em tupi.

Cristal Berab é um cristal azul brilhante espalhado pelas paredes e pelo teto da Cidadela. Berab significa "brilhar/brilhante" em tupi.

Fontes:



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