20/08/2022

LIVRO - Capítulo 6 - A Queimadura

 
Leia no Wattpad: Os Últimos Humanos

CAPÍTULO 6 - A QUEIMADURA


Na manhã seguinte, por algum motivo misterioso, Kaolin foi a primeira a acordar. Junto de Lin, foram até a entrada da caverna e colheram algumas maçãs que estavam bem próximas. Ao retornar, Tokku e Amana despertaram, olhando horrorizados, sem acreditar que Kaolin já estava de pé e com o café da manhã pronto. Acordaram Endi e comeram juntos. Além das maçãs, ainda tinham alguns pãezinhos e água.

— Bem, e agora? — Tokku perguntou mordendo a fruta.

— Vamos na direção do rio Sanozama. — Amana respondeu.

— Estou ansioso para enfim explorar outras partes fora dessa área! — Endi comemorou alegre.

— Temos que lembrar de procurar algum rio para pegar mais água. — Kaolin olhava a garrafa vazia.

Organizando seus pertences, se prepararam para partir, rumo ao desconhecido. Saindo da caverna, o grupo caminhou na direção indicada pelo mapa. Tudo parecia tranquilo. A floresta estava calma, não havia sinal de estarem sendo seguidos e o céu estava lindo. Lin pulava feliz pelas árvores.

Pelo caminho, foram avistando uma grande variedade de pássaros, de todos os tamanhos e cores que podiam imaginar, cada um produzindo um som diferente. Aos poucos, Amana se lembrava de detalhes sobre alguns dos animais encontrados, pois havia lido livros com informações sobre eles. O grupo se alegrava ao ver outros tipos de macacos, mas sempre mantendo distância, não querendo perturbá-los ou causar algum desconforto.

Amana andava e parava, andava e parava. Sempre admirando a natureza ao seu redor. Olhava o sol e as nuvens. Corria para alcançar os amigos. Observava as árvores com frutas maduras e suas folhas balançando ao vento. Apressava o passo para não perder os outros de vista.

Tokku caminhava atento. O rapaz já esteve na superfície em várias missões, para ele era natural não baixar a guarda e estar pronto para qualquer tipo de surpresa. Kaolin se mantinha alerta, pois treinou por anos para isso, mas como era apenas sua segunda vez lá fora, a garota não resistia e observava alegre os detalhes do ambiente.

Sempre que se aproximavam de algum rio ou lagoa, eram surpreendidos pela vasta diversidade de peixes e outras criaturas que lá viviam. O mundo exterior apresentava uma enorme quantidade de seres. Amana ficava ansiosa pensando em todos os outros animais que ainda não conhecia. Ver pessoalmente era bem diferente do que apenas ler livros sobre eles.

Endi se sentia confiante, pois estava em território conhecido. Enquanto estivessem naquela região, ele lideraria e guiaria a todos. Um pouco mais à frente, encontrariam algo que o jovem planejava ansioso mostrar aos outros.

— Vamos! — Endi disse feliz.

Se apressando, chegaram na beira de um pequeno lago. O local era espetacular, rodeado por flores e a água cristalina estava imóvel.

— Endi, essa é...? — Amana perguntou curiosa.

O rapaz fez um sinal positivo com a cabeça.

— A água tocada pelos espíritos! — Os olhos de Kaolin brilharam.

As duas se aproximaram o máximo possível do lago, encarando-o de perto, quase encostando seus rostos na água. Em um movimento praticamente sincronizado, elas olharam para Endi, como se esperassem a aprovação dele. Novamente o rapaz sinalizou positivamente. Amana pegou a garrafa vazia em sua mochila, a encheu com cuidado e provou da água. Kaolin pegou a garrafa em seguida e também bebeu.

No começo, acharam que a água tinha um gosto comum. Mas ao passar pela garganta, parecia mais pura do que qualquer outra bebida que já haviam consumido. Estava fresca e tinha um sabor doce. Apenas um único gole matava toda a sede. As garotas sentiram todo o cansaço, as dores nas costas e nos pés, sumirem. Realmente se sentiram renovadas.

Observando-as, Lin bebeu a água direto do lago. Após alguns pequenos goles, o macaco se deitou na grama e ficou olhando para o céu.

— O que está acontecendo? — Tokku olhava parado a distância.

— Ah! — Kaolin percebeu que o Capitão ainda não sabia sobre a água.

— Endi nos contou na Cidadela. — Amana falou admirando o lago.

— Achei que elas haviam lhe contato. — Com vergonha, Endi olhou para baixo.

— Contado o que? — Confuso, Tokku olhava para a garrafa nas mãos de Kaolin.

— Esse lago é especial. — Endi explicou. — Sua água foi tocada por um espírito, por conta disso, ela tem poderes curativos.

— Foi com essa água que Endi salvou minha vida na noite em que sai na minha primeira missão. — Kaolin complementou.

— Isso é verdade? — Tokku tinha uma expressão de desconfiança.

— Prove você mesmo. — Amana sorriu para ele.

Kaolin entregou-o a garrafa. Primeiramente, o jovem Capitão a examinou de perto. Depois a cheirou. Por último, com um pouco de receio, a bebeu. Mesmo sem nenhum ferimento grave que comprovasse a eficácia, Tokku conseguia sentir os poderes daquela água.

— Isso é... Isso é... — Tokku contemplava encantado o lago.

— Incrível. — Kaolin completou a frase.

Eles ficaram ali por alguns minutos, hipnotizados pela beleza e paz do lugar. Então abasteceram suas garrafas extras com a água curativa e partiram. Não tiveram nenhum problema durante o dia. Caminharam pela mata até o anoitecer, chegando em uma grande clareira.

— Bem, é aqui. — Endi falou.

— O que? — Amana olhava para os lados, procurando por algo fantástico.

— O limite. — Ele respondeu sem emoção. — É um dia inteiro de viagem até aqui, essa era a regra dos meus pais. Nunca fui além desse ponto.

— Sério? — Tokku parecia um pouco desapontado.

— Conheço os outros lados da floresta, afinal, andava por todas as direções. — Endi explicou. — Mas nesse rumo que estamos seguindo, aqui é o mais longe que já fui.

— Como já escureceu, acho melhor acamparmos. — Kaolin sugeriu. — Amanhã avançamos em terras realmente desconhecidas.

Novamente fizeram uma fogueira e se sentaram ao redor dela. Comeram frutas que colheram pelo caminho e beberam água.

Endi ainda tinha muita curiosidade sobre a Cidadela e sobre os colegas. Enquanto brincava com Lin, aproveitando que ninguém estava brigando ou discutindo, como faziam com frequência nesses últimos dias, resolveu tentar puxar o assunto.

— Kaolin, sua mãe era uma Exploradora e você também. — Endi disse. — Seu pai trabalhava nas plantações, e Amana escolheu fazer o mesmo. O que seus pais fazem, Tokku?

— Minha mãe e eu sermos Exploradoras é pura coincidência. — Kaolin falou. — Isso é decidido por sorteio.

— Escolhi esse serviço, não apenas porque meu pai o fazia, mas também por ser o mais próximo da superfície. — Amana não tentou disfarçar. — De um jeito ou de outro, sempre planejei conhecer o mundo exterior.

— Ele perguntou sobre meus pais. — Tokku sussurrou.

— Seus pais não são Exploradores? — Endi disse olhando para o rapaz.

— Meu pai trabalha como artesão, produzindo roupas e sapatos para os moradores. — Tokku respondeu orgulhoso. — Minha mãe é ferreira. Ela faz os equipamentos dos Exploradores, entre outros objetos que usamos.

— Como você se tornou Capitão? — Curioso, Endi não se segurou.

— Bem, quando fiz dezoito anos, fui em minha primeira missão. — Tokku endireitou a postura, sentando com a coluna reta. — Prossegui em mais algumas missões, que sempre foram um sucesso. Um dia, o atual Capitão saiu com os Exploradores mais experientes, querendo ir mais longe do que qualquer outro grupo. Mas foi um desastre. Ninguém voltou vivo.

— Trágico dia para toda a Cidadela. — Kaolin relembrava.

— Dos Exploradores que restaram, eu era o mais experiente com mais missões bem sucedidas. — Tokku bateu de leve com o punho em seu peito. — Então me fizeram Capitão.

— Por isso que hoje com apenas vinte anos, ele já é Capitão à um ano e meio. — Kaolin sorriu.

— Hoje em dia, Tokku já provou para todos que é um excelente Capitão. — Amana contou. — Mas no começo, muitos comentavam que só o escolheram porque todos os outros estavam mortos.

— Que coisa horrível de se dizer! — Endi se espantou.

— Infelizmente outros Exploradores também queriam o cargo. — Kaolin explicou.

— Isso não importa mais! — Tokku cruzou os braços. — Sou eficiente, organizado, respeitado e cumpro todos os meus deveres sem atraso ou erros.

Kaolin e Amana seguraram o riso. Achavam muito divertido ver o amigo falando daquela forma, mas concordavam que ele realmente era um Capitão muito capaz.

— Desculpa perguntar isso, — Endi falou tímido. — não precisam responder se não estiverem confortáveis. Mas por que vocês não moram juntos até hoje?

— Quando a família de Tokku nos recebeu, ele tinha nove anos e eu sete. — Kaolin contava calmamente. — Amana era um bebê de apenas dois anos. Mas oito anos depois, quando ela completou dez anos e pode começar seus estudos especializados, eu já tinha quinze. Na época, acreditamos que seria melhor voltar para casa e começarmos a cuidar de nossos assuntos sozinhas.

— Sei que deve ser difícil entender, — Amana suspirou. — mas não queríamos atrapalhar ou dar mais trabalho a eles. Somos muito gratas pela ajuda. Tenho um grande carinho e amo os pais de Tokku, afinal, eles me criaram. Mas não nos escolheram. A Cidadela jogou essa responsabilidade para eles.

— Quando crianças muito pequenas ficam órfãs, — Explicou Tokku, vendo a expressão confusa no rosto de Endi. — os anciãos escolhem alguma família para tomar conta delas, até que tenham idade para morarem sozinhas.

— No fim, deu tudo certo. — Kaolin sorriu. — Visitamos eles com frequência e sempre fazemos refeições juntos. Realmente são a nossa família.

— Para meus pais, nunca foi um problema cuidar delas. — Tokku deu mais detalhes. — Sempre foram muito bem vindas e já falamos milhares de vezes que podiam ter morado lá por mais tempo. Elas que são cabeça dura e acham que estão incomodando.

— Inclusive, seu pai sempre falou que sonhava em ter filhas meninas. — Kaolin riu. — Ele mimava demais a Amana.

— Só não quero que você ache que expulsamos elas de casa ou algo assim. — Tokku olhava para Endi. — Você não faz ideia do quanto tentamos convencê-las a não morarem sozinhas.

— A verdade é que Kaolin só se comportava em respeito a seus pais. — Amana deu um tapinha nas costas de Tokku. — Assim que começou a morar sozinha, minha irmã libertou com força total quem ela realmente era. Por isso quis sair de sua casa.

— Verdade. — Tokku falou pensativo. — Kaolin realmente mudou e ficou mais selvagem.

— Ei! — Kaolin gritou indignada.

Tokku e Amana contaram à Endi como Kaolin havia se transformado, relembraram seus melhores momentos e algumas confusões causadas pela garota. Mas após um longo dia de caminhada, não demorou para que adormecessem. E dessa vez, todos dormiram com um sorriso no rosto.

***

No meio da noite, Lin escutou um barulho estranho. Ele levantou e olhou ao redor, não avistando nada que lhe chamasse a atenção, se deitou novamente. Ao fechar os olhos, ouviu o mesmo barulho, mais alto e claro. O macaco dormia perto de Amana, e com suas mãozinhas, puxando a gola da veste da garota, a acordou.

Imediatamente ela ouviu o som sinistro vindo da mata. Procurando na escuridão, escutando algo que parecia uma criatura chorando e soluçando, ao mesmo tempo que soava como um animal selvagem.

— O que é isso? — Endi acordou confuso com o barulho.

— Shhh! — Amana pediu silêncio.

Apertando os olhos e procurando a fonte do som, a garota viu uma chama pequena à distância.

— Deve ser um espírito. — Olhando para Endi, Amana perguntou. — Você já viu algum nesta região?

— Nunca fiquei aqui durante a noite. — Endi respondeu. — Sempre voltava antes do pôr do sol.

A chama se aproximava.

— Parece fogo... — Endi falou. — E está chegando perto!

Percebendo que estava sem os óculos, Amana os colocou depressa.

— Não pode ser... — Ela sussurrou. — Equusignis.

Levantando desajeitadamente, correu até a irmã, a sacudindo com todas as forças, já sabendo que Kaolin não despertava com facilidade.

— Endi, acorde Tokku! — Amana falou baixinho.

Movendo a irmã para todos os lados, Amana tentava silenciosamente de tudo para acordá-la.

— O que aconteceu? — Tokku já estava de pé.

— Eu acho que é Equusignis. — Amana olhou horrorizada na direção da chama.

— O que é Equinigis-nigis? — Endi perguntou com medo.

— Equusignis. — Amana o corrigiu. — É um espírito forte que tem a forma de um cavalo gigante. Acredito que seja ele pelo som que está produzindo.

— Um cavalo? — Endi estranhou.

— Um cavalo sem cabeça. — Tokku pontuou.

— Do buraco de sua cabeça, saem chamas mais quentes do que o fogo comum. — Amana enfim conseguiu acordar a irmã.

— Está bem. — Kaolin resmungou. — Já vou.

— Pegue seus machados. — Amana olhou no fundo dos olhos da irmã, falando com muita seriedade. — É Equusignis.

— Ele é tão perigoso assim? — Endi duvidou.

— Cavalos já são animais muito fortes e rápidos. — Amana falou depressa. — Pelo menos é o que os livros dizem. Agora imagine um ainda maior, ainda mais forte e ainda mais rápido. Com fogo saindo de sua cabeça!

— De acordo com as informações que aprendemos, — Tokku explicou. — só precisamos fazer o espírito ingerir um pedaço de cristal e vai ficar tudo bem.

— Mas se ele não tem cabeça, como vai comer o cristal? — Endi parecia assustado.

— É só jogar no buraco com fogo. — Kaolin já havia colocado suas luvas, calçado suas botas e segurava um pedaço de cristal.

— Está se aproximando cada vez mais! — Amana pegou Lin, segurando-o em seus braços.

— Endi, fique escondido ali com a Amana. — Tokku apontou para a direção oposta da qual o espírito vinha. — Eu e Kaolin vamos tentar testar essa teoria e quem sabe, se tudo der certo, selar o espírito.

Amana, Lin e Endi se esconderam atrás de uma grande moita, a alguns metros de onde estavam acampados. Kaolin colocou o cristal no bolso de sua calça e pegou seus machados. Tokku também já estava pronto para a batalha. Cada um deles estava de um lado da fogueira, que iluminava o centro.

— Algum plano? — Tokku perguntou.

— Você distrai o Equusignis. Eu jogo o cristal no buraco. — Kaolin não conseguia esconder a ansiedade.

— E se não der certo? — Ele desembainhou a espada, apontando para o espírito que se aproximava.

— Nós corremos. — Kaolin sorria nervosamente.

A garota sentia um misto de emoções. Estranhamente ansiava pela batalha. Mas estava com medo de algo acontecer a sua irmã ou a seus amigos. Apesar de Tokku ter bastante experiência estando na superfície, ele nunca havia lutado com um espírito. Muito menos Kaolin. Ambos apenas treinaram dentro da Cidadela.

Equusignis saiu da mata, se expondo à luz da fogueira. O espírito era exatamente como as lendas descreviam. Amana, que olhava de longe, achou muito estranho a Cidadela ter descrições tão precisas da criatura.

Sem conseguir se segurar, Kaolin correu na direção do grande espírito, tentando o atacar com suas armas. Equusignis desviou com agilidade, quase queimando a garota.

— Achei que eu seria a distração! — Tokku gritou.

Ele correu apontando a espada na direção de uma das patas do animal, um pouco incerto sobre o que exatamente estava fazendo. Kaolin fincou um de seus machados em uma árvore próxima, segurando o cristal com a mão livre. Ela correu e tentou arremessá-lo no buraco em chamas, enquanto Equusignis atacava Tokku.

Sentindo o calor intenso do fogo próximo de seu braço, Kaolin derrubou o cristal no chão. O espírito tentou pisar na garota com sua pata direita, mas ela se defendeu segurando no cabo de seu machado, com as duas mãos, empurrando-o contra a pata que tentava esmagá-la.

Tokku rolou por baixo de Equusignis, pegando o cristal. Levantou correndo e golpeou com a espada a pata que atacava Kaolin, libertando-a. Os dois se afastaram, colocando alguma distância entre eles e o espírito.

Novamente correram na direção do cavalo ao mesmo tempo, cercando-o por ambos os lados. Kaolin o golpeou com seu machado enquanto Tokku tentava jogar o cristal no buraco em chamas. Mas Equusignis se movia com rapidez, tornando impossível de acertar o arremesso.

Kaolin correu, fazendo o espírito segui-la. Tokku pegou de novo o cristal caído. Acertando com suas armas as patas que tentavam golpeá-los, eles lutavam esperando por uma brecha.

— Me passe o cristal! — Kaolin gritou ofegante.

Arremessando-o no ar, Tokku lançou o cristal na direção dela. Kaolin o pegou com a mão livre.

— Distraia-o! — Ela berrou.

Kaolin saiu correndo e entrou na mata, deixando Tokku sozinho. O grande cavalo galopou veloz na direção do rapaz. Usando todos os seus anos de treinamento, Tokku desviava da cabeça em chamas, fazendo de tudo para se defender das patas que o atacavam. Não importava quantas vezes Tokku golpeava-o com sua espada, parecia impossível feri-lo. Era como se seu corpo fosse feito de ferro.

Vendo que Tokku estava quase sem forças, sem pensar direito, Endi correu gritando loucamente, se jogando contra Equusignis. O garoto trombou no corpo do animal, caindo com força no chão.

Lin também apareceu na batalha, pulando e chamando a atenção do espírito na direção oposta. Enquanto Tokku pegava Endi pelo braço e o arrastava para fora do alcance das patas do cavalo, que tentava pisoteá-lo.

— Está maluco? — Tokku gritou. — Se esconda!

Percebendo onde havia se metido, Endi engatinhou até uma moita próxima, se escondendo atrás dela. Lin, que estava sendo perseguido pelo espírito, subiu em uma árvore. Não avistando mais o macaco, Equusignis voltou sua atenção para os humanos. Agora, ele vinha na direção onde Endi estava. O Capitão se posicionou na frente da moita, na esperança de protegê-lo.

— Tokku! — Amana berrou em desespero.

Surpreendendo a todos, Kaolin pulou da árvore mais alta, caindo direto no espírito. Sem hesitar, colocou seu braço direito dentro do fogo, abrindo a mão e soltando o cristal dentro de Equusignis.

O grande animal pulava descontrolado, se contorcendo. Kaolin foi jogada a alguns metros, rolando no chão, bateu com as costas no tronco de uma árvore. Sem conseguir se mover, ela observava o efeito do cristal. Uma luz branca muito forte iluminou todo o corpo do espírito. Era impossível manter os olhos abertos. Mas o brilho durou apenas um único segundo. Ao abrirem os olhos, viram que Equusignis desapareceu, restando apenas o cristal no chão.

Tokku se aproximou lentamente, e pegando-o em suas mãos notou que parecia haver chamas dentro dele. Assim que sentiu confiança, vendo que o selamento havia funcionado, correu na direção de Kaolin. Endi, Amana e Lin fizeram o mesmo.

— O que diabos foi isso? — Tokku gritou olhando para a garota.

O braço de Kaolin tinha queimaduras em um grau nunca visto antes. Ela conseguia sentir suas costelas quebradas, além de vários outros ferimentos pelo corpo. Olhando o estado da garota, Endi se afastou.

— Kaolin! — Amana disse em meio a lágrimas.

— Era o único jeito... — Kaolin tinha uma expressão de quem tentava fingir não sentir dor. — Funcionou mesmo?

— Aparentemente sim. — Tokku mostrou o cristal a ela.

Kaolin olhou surpresa o fogo que ardia no interior dele.

— Vamos levá-la para perto da fogueira. — Endi falou.

Ele havia preparado um lugar confortável usando os ponchos para que ela pudesse se deitar. Tokku a carregou com o máximo de cuidado possível, tentando evitar causar-lhe mais sofrimento, colocando-a devagar no chão.

— Beba. — Endi disse.

Ele colocou a garrafa com água curativa perto do rosto de Kaolin, ajudando-a. Ela tomou vários goles, o máximo que conseguiu, parando ao sentir uma dor aguda. Lin deitou do lado de sua cabeça, mantendo uma certa distância, com medo de machucá-la.

— Agora temos que aguardar. — Endi suspirou.

— Quanto tempo você acha que demora para ela se curar? — Amana falou chorando.

— Não sei dizer. — O rapaz disse baixinho. — Temos que esperar.

Endi tinha experiência com pequenos ferimentos e ossos quebrados, mas nunca viu uma queimadura naquele estado. No fundo, sentia que o braço de Kaolin não teria salvação, de tão grave que era sua condição.

— Durante a noite vamos dando mais água a ela. — Tokku colocou a mão no ombro de Amana.

— Ela já dormiu? — Amana notou Kaolin de olhos fechados.

— Pode ter desmaiado por conta da dor. — Endi colocou a garrafa ao lado da garota. — Vamos deixá-la descansar e se recuperar.

Tokku enrolou o cristal em uma pedaço de pano e o colocou dentro de sua mochila, em segurança. Todos se deitaram ao redor da fogueira, observando Kaolin em silêncio. Durante o resto da noite, a garota gemia inconsciente, como se a dor piorasse. Amana levantava com frequência, tentando dar mais água à irmã.

Poucas horas se passaram e já havia amanhecido. Nenhum deles conseguiu dormir muito. Enquanto Tokku ficava de guarda, sempre observando os arredores, Endi colheu algumas frutas para se alimentarem. Amana e Lin não saiam do lado de Kaolin.

O dia passou lentamente. Ninguém sentia vontade de conversar. Também não podiam prosseguir viagem, pois Kaolin estava desacordada. Apenas no final da tarde que ela enfim despertou.

— Água... — Kaolin sussurrou.

Com Lin em sua cabeça, Amana, que estava cochilando de olhos abertos, piscou rapidamente, levando a garrafa até a irmã.

— Como você se sente? — Ela perguntou preocupada.

— Não sinto mais dores no corpo. — Kaolin se sentou. — A água curou todos os ferimento. Mas meu braço...

— Você está bem? — Tokku se aproximou, vendo ela sentada.

— Kaolin! — Endi também chegou mais perto.

— Acredito que está tudo bem. — Ela sorriu estranhamente.

— Por que seu braço não se curou? — Tokku olhava desesperado.

— Aparentemente, a água dos espíritos não é forte o suficiente para curar uma queimadura desse grau. — Os olhos de Endi se encheram de lágrimas.

— Todos estamos bem. Todos estamos vivos. — Tentando ser otimista, Kaolin fingiu não se incomodar com o assunto.

Sem saber o que fazer, muito menos o que dizer naquele momento, todos ficaram em silêncio por alguns minutos.

— Vamos ficar aqui essa noite e amanhã de manhã tentamos voltar para a Cidadela. — Tokku falou.

— O que? — Kaolin se revoltou. — Não vamos desistir agora. Vamos prosseguir.

— Como vamos continuar com seu braço assim? — Tokku foi direto.

— Simples. — Kaolin parecia determinada.

A garota se levantou, foi até a mochila que ela e Tokku compartilhavam, pegou um dos panos que usariam para embrulhar os cristais com espíritos selados, e usando sua mão esquerda e seus dentes, o amarrou em volta de seu pescoço, fazendo um suporte para seu braço direito.

— Pronto. — Falou encarando o rapaz.

— Tem certeza de que quer continuar? — Amana chorava novamente.

— Você quer desistir? — Kaolin a perguntou.

— Não queria que isso acontecesse com você. — A caçula cobriu o rosto com as mãos, soluçando.

— Sei que a aparência não é boa, mas não sinto dor. — Kaolin cutucou o braço com sua mão esquerda. — É só... Uma sensação estranha.

— Não dói mesmo? — Endi olhou o braço queimado.

— Não. — Kaolin afirmou.

Por um momento, eles duvidaram dela. O membro da garota estava preto de tão queimado, parecendo carvão com veias de sangue. A sensação que tinham era que o braço iria cair a qualquer momento, de tão frágil.

— Vamos comer, ter uma boa noite de sono, e amanhã decidimos o que fazer. — Tokku finalizou o assunto.

Eles tinham três garrafas com a água curativa. Kaolin já havia tomado uma inteira. Endi pegou outra cheia e entregou-a.

— Continue tomando a água, por precaução. — Amana insistiu.

Tokku e Endi foram preparar algo para o jantar, enquanto Amana pegou curativos e algumas faixas que trouxeram. Ela fez o possível para deixar o braço da irmã bem tampado e protegido, arrumando o suporte que o segurava.

— É melhor cobri-lo totalmente. — Amana sugeriu.

— Concordo. Não sei se deixá-lo exposto é uma boa ideia. — Kaolin disse.

O grupo comeu junto ao redor da fogueira, como sempre faziam, apenas falando de coisas aleatórias sobre a natureza da superfície. Evitaram tocar em assuntos pesados ou que poderiam causar intrigas naquele momento.

Após a refeição, todos dormiram em um piscar de olhos. Estavam exaustos. Apenas Kaolin demorou um pouco para adormecer, enquanto observava as estrelas no céu noturno, pensando no que faria a seguir.

CURIOSIDADES


Personagens

Kaolin:

Tem 18 anos, 1,75 de altura, pele pálida, olhos castanhos claros, cabelo longo castanho. Usa óculos vermelho escuro, camiseta branca, calça marrom claro com bolsos grandes, coturno preto, luvas marrom escuro. Gosta de ajudar os outros, de protegê-los. Vive o momento e está sempre à procura da próxima descontração. Foge do tédio a qualquer custo e não possui um plano para o futuro.

Amana:

Tem 13 anos, 1,62 de altura, pele pálida, olhos castanhos claros, cabelo curto castanho escuro. Usa óculos azul escuro, camiseta preta, moletom com capuz preto, saia comprida azul marinho, meia comprida preta, tênis tipo all star. Segue seu próprio senso do que é certo e errado. Não vê problema no isolamento e geralmente o procura. Busca compreender os mistérios da natureza.

Tokku:

Tem 20 anos, 1,93 de altura, olhos pretos, cabelo castanho avermelhado. Quando está trabalhando usa um uniforme verde escuro (igual dos guardas). Fora do trabalho usa uma camiseta vermelha, jaqueta preta, calça preta, botas marrom escuro. Quer provar seu valor. Assume os riscos necessários para atender as necessidades do grupo.

Endi:

Acha que tem 17 anos (mas na verdade tem 15), 1,78 de altura, bronzeado, olhos castanhos escuro, cabelo preto. No começo usa roupas marrom velhas, sujas e rasgadas. Depois usa camiseta verde escuro, calça marrom e tênis pretos. Quer se conectar aos outros, se misturar, fazer parte do grupo.



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