01/09/2022

LIVRO - Capítulo 8 - A Ajuda

 
Leia no Wattpad: Os Últimos Humanos

CAPÍTULO 8 - A AJUDA


Os primeiros dias da jornada do grupo foram cheios de aventuras e batalhas, mas estranhamente após o encontro com Geoffrensis, nada mais aconteceu. Já era a manhã do terceiro dia que caminhavam pelas matas sem encontrar algum problema ou enfrentar algum espírito.

Antes, só faziam pausas para comer e acampavam para dormir. Mas agora precisavam parar constantemente, com medo de Kaolin desmaiar. A garota insistia que estava tudo bem, e fazia de tudo para se demonstrar forte, mas ninguém acreditava mais nela. Sentiam que a jovem iria ter um colapso a qualquer momento.

Andavam por um lindo caminho, com muitas flores por toda parte. Apesar da mata relativamente bem fechada, havia alguns pequenos espaços abertos de poucos em poucos metros. O clima estava agradável e a temperatura ideal. Kaolin respirava fundo o ar puro, tão diferente daquele da Cidadela. Tudo parecia em paz.

— Sei que falar dá azar. — Kaolin tinha Lin em sua cabeça.

— Então não fale. — Amana já previa o que a irmã iria dizer.

— Mas tudo esteve tão calmo nesses últimos dias... — Kaolin suspirou. — É até um pouco chato.

— Chato? — Endi gritou indignado. — É maravilhoso!

— Enfim consegui aproveitar a superfície. — Amana falou exaltada.

— Além de não corrermos risco de vida! — Endi cruzou os braços.

— Ninguém mais se feriu. — Amana olhou para o braço de Kaolin.

— Conseguimos ter boas noites de sono. — Endi sorriu alegremente.

— Como pode achar segurança e tranquilidade chatos? — Amana questionou.

— Todos estamos felizes! — Endi choramingou. — Queremos que tudo continue assim.

— É óbvio que não quero ninguém em perigo! — Kaolin revirou os olhos. — Mas uma boa aventura também seria bem-vinda.

— Aventura? — Endi se preparava para retrucar a garota.

— De acordo com meus cálculos, já devíamos ter chegado em Sanozama. — Tokku falou preocupado.

— O que? — Amana se aproximou. — Onde está o mapa?

Tokku tinha o mapa em mãos e o olhava confuso. Havia seguido a direção corretamente. Não fazia sentido estarem demorando tanto para chegar.

— Realmente, fomos para a direção correta. — Amana examinava a posição do sol matutino.

Enquanto ela e o Capitão tentavam entender a situação, Kaolin começou a escalar uma árvore. Ou pelo menos era isso o que ela tentava fazer. Lin olhava a estranha cena à distância.

— O que está fazendo? — Endi observou nervoso.

— Se olhar do alto, talvez dê para ver algo que ajude. — Kaolin tentava se segurar com apenas uma mão.

— Você vai acabar se matando. Deixa que eu faço isso. — Com cuidado, Endi tirou a garota de perto da árvore.

Ele estava mais do que acostumado a escalar pedras e subir em árvores, pois havia feito isso durante toda sua vida. Achava um absurdo quando Kaolin tentava fazer esse tipo de coisa com o braço ainda ferido. Não entendia como alguém podia ser tão teimosa.

Escolheu subir em uma árvore que ficava mais à direita de onde estavam, pois parecia mais alta e mais segura. Lin subiu com ele. Quando chegou no topo, Endi olhou com atenção ao redor, procurando algo que pudesse orientar o grupo.

— Consegue ver algo? — Kaolin gritou lá de baixo.

Endi olhava em todas as direções, mas tudo em seu campo de visão eram árvores e mais árvores. Uma imensa floresta que parecia não ter fim. Não importando para que lado olhasse, havia apenas árvores ali.

Lin desceu em uma velocidade incrível, como se estivesse com urgência, deixando o jovem rapaz sozinho no topo.

Decepcionado, e um tanto preocupado, o garoto se preparava para descer. Quando rapidamente pensou ter visto um vulto vermelho no meio da mata distante. Olhando com mais atenção, não conseguindo identificar nada, acreditou que devia ter sido a luz do sol em seus olhos.

Chegando lá embaixo, viu Kaolin que o aguardava ansiosa.

— Não consegui ver nada. — Endi disse. — Apenas árvores.

Tokku e Amana encaravam o mapa em silêncio, claramente sem saber o que fazer a seguir.

De repente, Lin começou a pular agitado no chão.

— O que foi? — Endi olhou assustado.

— Tem algo se aproximando! — Kaolin supôs pela reação do macaco.

— Amana! Tokku! — Gritou Endi.

Vendo a reação de Lin, todos se aproximaram dele e ficaram alertas.

Agora que haviam parado de falar, perceberam como a floresta estava silenciosa. Conseguiam ouvir apenas o som do vento nas árvores e mais nenhum outro ruído. Olhando com cautela, procurando o motivo que causou pânico no macaco, todos observavam ao redor.

— Sinistro... — Amana disse após alguns segundos.

— Não tem nada aqui... — Endi cochichou.

— Podemos nos mexer? — Kaolin brincou, reparando na rigidez dos amigos.

Fazendo um sinal positivo com a cabeça, Tokku guardou sua espada.

— Acho melhor irmos andando. — Endi falou um pouco assustado.

— Eu não faria isso se fosse vocês. — Uma voz desconhecida disse.

Virando sua cabeça a toda velocidade para o lado oposto, o rapaz viu uma pequena criatura nas sombras.

— Quem está aí? — Kaolin ameaçou com seu machado.

— Que medo! — O espírito ria debochando da garota. — Vocês são divertidos!

Saindo do meio da mata fechada e se aproximando do grupo, a criatura revelou seu pequeno corpo. Tão baixo quanto uma criança, possuía cabelos espetados vermelho vivo e sua pele era verde como as plantas. Seus olhos eram tão negros quanto o céu noturno em uma noite sem estrelas. Abrindo um grande sorriso, mostrando seus dentes que também eram verdes, ele se aproximou de Lin.

Misteriosamente, o macaco subiu até o ombro da criatura, encostando seu rosto no dele. O espírito acariciava a cabeça de Lin com ternura. O grupo olhava aquilo com preocupação.

— Não precisam se preocupar. — Ele disse segurando o macaco em seus braços. — Pode abaixar isso.

Kaolin apontava o machado para o rosto do espírito.

— Apesar de ser conhecido como O Demônio da Floresta, eu não sou realmente um demônio. — A criatura verde sorria inocentemente.

— Demônio da Floresta!? — Endi questionou aos berros.

— Não sei porque me chamam assim, tudo que faço é proteger a mata e os animais. — Ele disse balançando Lin, como se o ninasse. — Claro que matei alguns humanos, mas eles mereceram. Foi pelo bem na natureza.

— Kaolin, abaixa isso! — Amana empurrou o machado da garota. — É apenas uma criança.

Rindo alto, o espírito a olhou pensativo, dizendo:

— Sou tão velho quanto a terra debaixo de seus pés.

Percebendo que Lin estava à vontade e até parecia gostar daquele ser, Kaolin entregou o machado para Endi, que o pendurou de volta em sua mochila. A criatura parecia descontraída e relaxada, definitivamente não tinha intenções de realizar um ataque.

— Demônio, o que quer de nós? — Tokku perguntou com receio.

— Demônio? — A criatura parecia indignada. — Podem me chamar de Kuruba.

— Mas você não disse que era um demônio? — Endi falou sem pensar.

— Só acham isso de mim porque possuo uma grande força física. — Kuruba disse se gabando.

Endi olhou para aquele pequenino corpo com um olhar duvidoso.

— E pelas minhas outras... Características? — Kuruba sorriu de maneira suspeita.

— Você tem algum tipo de poder? — Amana se empolgou.

Colocando Lin no chão, o espírito se posicionou de maneira como se fosse mostrar algo grandioso. Criando altas expectativas nos jovens que o olhavam curiosos.

Amana não sabia exatamente o que esperava ver, mas foi surpreendida pela habilidade de Kuruba. O espírito conseguia girar seus pés e mãos, fazendo os membros darem uma volta completa de 360°. Enquanto Tokku olhava horrorizado, Kaolin tinha a boca aberta e encarava de olhos arregalados. Endi estava pálido, sua expressão era de alguém prestes a desmaiar.

— É isso? — Tokku tinha uma expressão estranha em seu rosto.

— Não é legal? — Kuruba perguntou animado.

— Já vimos tanta coisa nessa jornada que, honestamente, não me comoveu. — Tokku falou baixinho.

Endi desviava o olhar da cena e fingia estar bem. Obviamente tentando disfarçar e não demonstrar o quanto aquela apresentação o tinha abalado.

— Cala a boca! — Amana gritou. — É surreal!

Kaolin não conseguiu segurar o riso vendo a irmã eufórica daquele jeito. Lin corria em círculos ao redor do espírito.

— O que mais você consegue fazer? — Amana perguntou.

— Posso fazer meu cabelo virar fogo! — Kuruba se preparava para mais uma demonstração.

— Sei que estão todos se divertindo, — Tokku aumentou sua voz. — mas não vamos nos esquecer da situação em que estamos.

Todos o olhavam como se o rapaz tivesse estragado a diversão do momento.

— Ele é um espírito desconhecido! — O Capitão falou nervoso. — Não sabemos o que ele quer ou o que vai fazer com a gente!

— Calma aí. — Kuruba parou de girar seus membros.

— Você não sabe pelo que passamos! Agora nem sabemos onde estamos e ninguém parece ligar para o fato de que você pode acabar nos matando! — Tokku gritou.

Kaolin o olhava sem piscar.

— Você está bem? — Amana perguntou à Tokku.

— Ele precisa relaxar. — Kuruba sorriu.

— Eu é que pergunto! Vocês estão bem? — Tokku olhou para Amana. — Estão sendo muito amigáveis com um desconhecido!

— Mas ele não parece ser do mal. — Kaolin falou baixinho.

— Um espírito famoso por ser um demônio! — Nervoso, Tokku fazia gestos com as mãos. — Ele vai acabar matando todos nós!

— Calma! — Kaolin segurou no braço do Capitão.

— Não. Ele está certo. — Endi voltava a si. — O que está acontecendo aqui?

— Eu posso responder isso. — Kuruba se sentou em uma pedra próxima. — Vocês estão perdidos.

— Jura? — Tokku perguntou sarcástico.

— E ela está amaldiçoada. — O espírito apontava para Amana.

— Eu? — A garota gritou.

— Não é bem uma maldição... — Kuruba tinha uma expressão pensativa. — Você teve contato com algum espírito que colocou uma "proteção" em você. Um tipo de selamento que funciona como um "repelente de espíritos".

— Geoffrensis! — Amana exclamou.

— Por isso não fomos atacados por mais ninguém depois de termos nos encontrado com ele! — Kaolin parecia feliz com a explicação.

— O problema é que isso também serve como um rastreador... — Kuruba olhou para Amana fazendo uma careta.

— Como tiramos isso dela? — Tokku perguntou preocupado.

— Espere! Se remover o selo, perdemos a proteção! — Endi falou rápido.

— É possível se purificar nas águas do Sanozama. — Kuruba disse casualmente.

— É para onde vamos! — Kaolin gritou.

— É para onde estamos tentando ir. — Tokku sussurrou.

— Eu posso ajudar. — O espírito se levantou em um pulo. — Andei observando vocês. Parecem ser bons humanos, não desrespeitaram a floresta. Se me seguirem, chegarão ao rio hoje mesmo.

— Um momento. — Tokku pediu gentilmente.

Puxando os amigos para longe de Kuruba, ficando de costas para ele, os jovens se curvaram e conversaram aos cochichos.

— Podemos confiar nele? — Tokku perguntou.

— Não parece querer nosso mal. — Amana disse insegura.

— Não temos outra opção. Temos? — Kaolin olhou disfarçadamente para Kuruba.

O espírito estava sentado na grama, enquanto Lin lhe trazia folhas que encontrava caídas no chão. O macaco se comportava de uma maneira misteriosa, mas amigável. O que indicava para o grupo que Kuruba não era perigoso.

— Se não formos com ele, o que faremos então? — Endi parecia desanimado.

— Acho que ele é nossa única opção. — Amana torceu a boca.

— Tudo bem. — Tokku concordou. — Mas todos temos que ficar alertas e atentos o tempo todo. Combinado? Não baixem a guarda nem por um minuto.

— Sim, senhor! — Kaolin bateu continência.

Agora Kuruba e Lin tacavam folhas um no outro, como se brincassem de algo muito divertido. Os jovens observaram aquilo por alguns segundos.

— Muito bem. — Tokku disse sério. — Vamos com você.

— Ótimo! — Kuruba jogou um punhado de folhas para cima. — Faz muito tempo que não vejo humanos. Vai ser uma viagem interessante.

Então o grupo voltou a jornada rumo ao seu destino. Já era quase hora do almoço, mas acharam melhor não pararem para comer. Gastaram boa parte da manhã conversando e queriam chegar a Sanozama o mais rápido possível. Eles comeram enquanto caminhavam.

Aos poucos, todos foram relaxando. Tokku parecia ser o único que ainda estava realmente alerta.

— O que vocês vão fazer na região de Ednargoir? — Kuruba perguntou casualmente.

— Ednargoir? — Amana estranhou.

— Sim, é onde o rio Sanozama fica. — Kuruba carregava Lin em sua cabeça.

O espírito deixava pegadas viradas em todas as direções por onde passavam, girando seus pés enquanto andava.

— Eu não sabia disso! — Kaolin se preocupou.

— Isso é ruim? — Endi parecia confuso.

— De acordo com os ensinamentos da Cidadela, — Amana começou a explicar. — é uma região extremamente perigosa e origem de todo o mal.

— Isso é péssimo! — Choramingou Endi.

— Muitas coisas que nos ensinaram estavam erradas. — Tokku falou tranquilo. — Talvez o lugar não seja tão ruim assim.

— Ei, que cara é essa? — Amana notou a expressão no rosto de Kuruba.

— O lugar é lindo, não me entendam mal. — Ele tentou se explicar. — Mas é uma região com muita história para os espíritos antigos.

— O que aconteceu lá? — Tokku perguntou curioso.

— Não sou a criatura certa para lhes contar isso. — Kuruba parecia triste.

— Por que vocês são todos tão misteriosos desse jeito? — Kaolin se sentia indignada. — Aquele Geoffrensis fez a mesma coisa. Ninguém nos explica nada.

— Há coisas que não devem ser ditas. Não aos humanos. — Kuruba tinha uma expressão séria em sua face. — Além de que apenas os envolvidos podem falar sobre o acontecimento.

Entendendo que não conseguiria nenhuma informação, Kaolin virou o rosto e não discutiu.

— Por que você está nos ajudando? — Tokku tentou mudar de assunto.

— Já disse. Faz muito tempo que não vejo humanos e vocês são um grupo interessante. — O espírito sorria novamente.

O Capitão o observava de perto, suspeitando da bondade da criatura.

— Ai! — Endi tropeçou em um galho escondido no chão.

Kuruba o segurou pelo braço, impedindo que o garoto caísse.

— Nossa! — Exclamou Endi arregalando os olhos. — Sua pele parece grama, mas macia!

— Sério? — Amana se aproximou. — Posso?

— Claro, vá em frente. — Kuruba ria da situação.

— Kaolin, veja isso! — A caçula chamou a irmã mais velha.

A garota o olhou e Kuruba acenou positivamente com a cabeça, dando permissão para que ela o tocasse. Passando a mão no braço da criatura, Kaolin sentiu uma sensação estranha. Era como se a pele dele fosse uma mistura de grama e pelos, mas estranhamente parecia ser a coisa mais macia que já havia sentido na vida.

— Tokku, isso é muito curioso! — Kaolin o chamava para perto.

Espremendo os olhos, com medo de algum ataque surpresa, Tokku colocou a mão sobre o braço de Kuruba. A expressão em seu rosto mudou imediatamente. Tentando disfarçar a alegria bizarra que sentia naquele momento, ele se afastou rapidamente.

Ninguém conseguia explicar o sentimento que era transmitido pelo espírito. Uma felicidade tranquila, como quando se passa uma bela tarde deitado na sombra de uma árvore. Com o sol aquecendo seu corpo de maneira agradável e a brisa balançando seus cabelos. Todos foram contagiados pela paz interior que apenas a natureza podia providenciar.

— Isso é maravilhoso. — Amana olhava admirada.

— Agora entendo o comportamento de Lin. — Kaolin riu.

O macaco realmente estava agindo de maneira diferenciada desde a aparição do espírito. Agora, sentava tranquilamente na cabeça da criatura.

Tokku não queria admitir, mas todas as suspeitas que tinha sobre Kuruba haviam sumido. Sentia que podia confiar completamente nele. Uma brisa forte tocou seu rosto, balançando as folhas de todas as árvores ao redor. Tokku fez algo que não fazia a muito tempo. Ele sorriu.

Observando o amigo, Kaolin também sorriu. Depois de toda a preocupação que ela lhe causou, era maravilhoso ver o Capitão finalmente relaxando. Todos eram gratos por Tokku cuidar do grupo, mas mesmo ele estando acostumado com um cargo de liderança, era visível a pressão em que ele estava.

— Estamos quase chegando. — Informou Kuruba.

— Você conhece Syreni? — Endi perguntou casualmente.

— Sim. — Kuruba respondeu.

— Como ela é? — Amana se interessou na conversa.

— Bem... — Começou Kuruba. — Ela é a criadora do Sanozama.

— O que? — Tokku se assustou.

— Esse é simplesmente o maior rio do mundo! — Amana se exaltou. — Pelo menos de acordo com os livros que li.

— Exatamente. Ela o criou para ser o maior. — Kuruba disse orgulhoso.

— Syreni deve ser um espírito muito poderoso. — Concluiu Endi.

— A Cidadela tem um conto sobre um espírito que mora nesse rio, mas não falam sobre quem o criou. — Amana pensou alto.

— Será que são a mesma criatura? — Endi estava curioso.

— Você conhece a história dela? — Kaolin perguntou ao garoto.

Endi fez um sinal negativo com a cabeça.

— Dizem que muito tempo atrás, uma humana, a mais bela já vista, possuía grandes habilidades como guerreira. — Contava Kaolin. — Mas isso acabou trazendo muita inveja, fazendo com que outros humanos tentassem matá-la. Com sua grande força, a mulher derrotou a todos que a desafiaram.

Os jovens caminhavam lentamente ouvindo o conto.

— Um dia, traída por seu melhor amigo, que a atacou de surpresa, foi jogada em um rio e morreu afogada. — Kaolin prosseguiu. — Para sua sorte, era noite de Lua Cheia, e o espírito da Lua, lamentando a perda de tão magnífica guerreira, a trouxe de volta à vida. Mas agora ela era metade humana, metade peixe.

— Você sabe se essa é a história de Syreni? — Amana perguntou à Kuruba.

— Humanos são realmente... — Kuruba não terminou a frase.

Todos o olhavam sem entender.

— Há muito sobre os espíritos que vocês não sabem. — Ele continuou. — E nunca vão entender. Nós somos seres antigos com nossa própria história, que só pertence a nós.

— Mas... — Amana foi interrompida.

— Vocês inventam contos e distorcem a verdade com o passar do anos. — Kuruba dizia calmamente. — É de sua natureza. Claro que alguns detalhes permanecem intactos, algumas de suas histórias têm bases verdadeiras. Mas há bem mais por trás de seu conhecimento simplório.

— Essa é ou não é a história de Syreni? — Endi insistiu curioso.

— Por que não pergunta a ela? — Kuruba sorriu.

Saindo da mata fechada, o grupo se deparou com uma das visões mais lindas já vistas em suas vidas. Já era fim de tarde e a luz do pôr-do-sol refletia na água do rio, pintando-o de um belíssimo tom de laranja.

Sanozama era maior do que haviam imaginado. Com suas águas cristalinas, o grande rio parecia não ter fim, se estendendo até o horizonte em ambos os lados. Era realmente uma paisagem espetacular. O grupo admirava de boca aberta, sem conseguir colocar em palavras o que estavam vendo.

Kaolin sentiu seus joelhos fracos, lutando com todas as forças para continuar andando, quando Tokku surgiu ao seu lado. Ela havia percebido que ele se mantinha em alerta o tempo todo, não apenas protegendo o grupo, mas preocupado com ela também. O rapaz colocou o braço esquerdo da garota em seus ombros, servindo de apoio para ajudá-la na reta final da caminhada.

— Por aqui. — Kuruba fez um sinal para que o acompanhassem.

— Se Kaolin beber dessa água, seu braço será curado? — Amana perguntou ansiosa.

— Essa não é a parte mais poderosa do rio. — Falou Kuruba.

Eles seguiram a margem do rio por alguns minutos. Até Lin olhava encantado o belo cenário. Do Sanozama, saia um pequeno afluente, para onde Kuruba os levou. Seguindo o caminho, se depararam com uma pequena entrada, que levava à uma gruta.

— Chegamos. — Kuruba disse.

A pequena caverna era fresca e com a chegada da noite tornava-se ainda mais fria. Sua água azul esverdeada possuía certa transparência que mostrava várias pedras coloridas, que pareciam brilhar, espalhadas pelo chão. A luz da Lua iluminava o local, tornando o ambiente mágico. Bem ao centro, sentada em uma grande rocha de costa para a entrada, Syreni penteava seus longos cabelos verdes.

Ouvindo os passos que se aproximavam, ela se virou. Sua pele parda estava molhada. Ao notar Kuruba, Syreni deu um lindo salto na água, indo de encontro ao grupo. Seu pulo foi tão suave que a água parecia nem se mexer.

Nadando na direção dos humanos, eles puderam notar a cauda do espírito. Como nas lendas, sua metade superior era igual a de um humano comum, mas a inferior era como a de um grande peixe.

Olhando admirada, Amana achava impossível descrever a cor da cauda da criatura. Uma mistura de rosa, verde e amarelo, com um toque de laranja. Enquanto se movia debaixo da água, parecia reluzir roxo e azul. Era realmente algo mágico.

Chegando próxima a margem onde Kuruba aguardava, Syreni emergiu, revelando sua majestosa beleza. Seus olhos castanhos possuíam um brilho vivo. Seus cabelos sedosos e volumosos pareciam não ser afetados pela água, permanecendo secos e macios. O espírito olhava para o grupo enquanto flutuava tranquilamente sob a água. Era como se ela os examinasse.

Lin desceu da cabeça até os pés de Kuruba, se aproximando da margem com cautela.

— Olá! — Tokku falou mais alto do que gostaria.

O som ecoou na pequena gruta. Todos se assustaram com a repentina quebra de silêncio, apenas Syreni permanecia inafetada pela saudação do garoto.

— Que fique claro, eu apenas os guiei até aqui. — Kuruba disse de repente. — Foi Geoffrensis quem os contou sobre você.

— Então é verdade? — Amana falou baixinho. — Você tem poderes curativos?

O grupo olhava esperançoso para a bela criatura.

— Venha. — Syreni disse estendendo a mão para Kaolin.

A voz do espírito ressoou nos ouvidos dos humanos.

— Esse é o som mais lindo que já ouvi. — Endi sussurrou enquanto fechava os olhos.

Amana o olhou fazendo uma careta. A voz do espírito era realmente muito bela, e apesar de só terem ouvido uma única palavra, era possível perceber o poder que ela produzia. Mas a garota achou um exagero o amigo ter uma lágrima escorrendo em seu rosto.

Ansiosa, Kaolin se soltou de Tokku e segurou a mão de Syreni, entrando na água com ela. Olhando de perto, o espírito era ainda mais magnífico. Kaolin suspirou nervosa. A luz da Lua, que era refletida pela água, iluminava o rosto de Syreni, ressaltando a perfeição de sua pele.

Removendo o curativo do braço da garota, Syreni se movimentava com graça e delicadeza. Todos aguardavam em silêncio.

— Você pode ajudá-la? — Amana perguntou quando o ferimento enfim estava exposto.

Sorrindo para a caçula do grupo, quase como se tentasse hipnotizá-la, em um súbito movimento, Syreni arrastou Kaolin para o fundo da água.

— Não! — Gritou Amana.

— O que ela está fazendo? — Tokku berrou para Kuruba.

Vendo a irmã desaparecendo nas profundezas, Amana se jogou no rio.

— Você nos enganou! — Gritava Tokku.

Lin correu para perto de Kuruba, se posicionando entre seus pés.

— Kaolin! — Endi se agachou na margem.

Amana tentava nadar em direção ao fundo, mas a gruta parecia rasa demais. Não fazia sentido. Desesperada, ela tentava alcançar Kaolin, sem sucesso.

— Para onde elas foram? — Amana disse desesperada.

— A água deve ser enfeitiçada! — Endi olhava em pânico.

Tokku apontava sua espada para Kuruba, gritando com o espírito, demandando respostas.

— Sabia que não podia confiar em você! — Esbravejou o Capitão.

Uma gargalhada divertida ecoou pela caverna.

— Vocês realmente são interessantes. — Kuruba ria alto.

— Para onde ela levou Kaolin? — Amana saiu da água.

— Está tudo bem. — Garantiu Kuruba. — Fiquem calmos.

— A criatura matou ela! — Surtou Endi.

— Ninguém morreu! — Kuruba gritou.

— Então onde elas estão? — Exigia Tokku.

— Elas foram para o mundo espiritual. — Disse Kuruba sem paciência.

— O que? — Amana o olhava assustada.

De repente, um silêncio tomou conta do lugar. Lin subiu até o ombro do espírito.

— Vocês são divertidos, mas cansativos. — Kuruba suspirou.

Ele parecia se entreter com as várias emoções dos humanos, mas se cansava rápido delas.

— O ferimento de Kaolin foi feito por um espírito muito poderoso. — Kuruba explicou. — E não era um ferimento qualquer. Foi feito por fogo!

— Por fogo é pior? — Endi o olhou com medo.

— É um dos piores. — O espírito passou a mão em Lin. — Apenas a água mais poderosa pode curá-la.

— Os espíritos de fogo possuem um grande poder. — Amana parecia mais calma. — Mas os de água são tão poderosos quanto eles.

Endi se jogou no chão molhado, sentando exausto. Amana o acompanhou e se encostou na parede da gruta.

— E quando é que elas vão voltar? — Tokku olhava preocupado para a água.

— Para essa pergunta, não tenho resposta. — Kuruba falou olhando sério para os humanos.

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