Leia no Wattpad: Os Últimos Humanos
CAPÍTULO 4 - O DIÁRIO
Andando depressa, se misturando na multidão, o grupo percorreu todo o terceiro andar, até a extremidade sul. Começaram a descer os andares pelos caminhos mais escuros, sempre se mantendo nas sombras. Amana olhava para os lados, garantindo que não estavam sendo seguidos.
Chegaram no fundo do abismo. Ao entrarem na casa, foram em direção a cortina preta. Amana pediu para que a seguissem até seu quarto. O cômodo era do mesmo tamanho do quarto de Kaolin, com uma cama e uma prateleira. Tudo parecia bem comum. Até Amana arrastar a cama para o lado, revelando um alçapão no chão.
Ela pegou alguns cristais que estavam em uma caixa na prateleira, e entregou um para cada colega. Depois abriu a pequena passagem e desceu por uma pequena escada. Tokku e Endi a seguiram em silêncio. Kaolin entrou no buraco, puxando a cama de volta, quando sentiu que estava tudo no lugar certo, fechou a passagem.
Não desceram muito fundo, mas o lugar era definitivamente apertado. Por conta da escuridão, os rapazes acharam que não havia nada ali, apenas paredes. Então Amana puxou uma cortina preta para o lado, revelando uma pequena coleção de livros.
— Não... — Tokku olhou aterrorizado. — Você roubou livros?
— Não roubei nada. — Amana parecia calma. — Eles sempre estiveram aqui.
— Como assim? — Tokku perguntou assustado.
— Eram de nossos pais. — Kaolin revelou.
Amana pegou um caderno, começou a folhear e disse:
— Eu não roubei, mas acho que nossa mãe roubou. Um desses livros conta sobre o mundo antes dos espíritos. Este aqui é um caderno com anotações. Nunca descobri se eram livros reais ou de fantasia. Mas as anotações são de nossa mãe, disso tenho certeza.
— Ficamos com medo de contar sobre eles, por isso guardamos em segredo. — Kaolin não se sentia bem.
— Quando nossos pais morreram, — Amana explicava para Endi. — Kaolin tinha sete anos, Tokku nove e eu apenas dois. Por isso a família do Tokku cuidou de nós. Três anos atrás, quando completei dez anos, voltamos para esta casa e começamos a morar sozinhas. Foi então que descobri esta sala e os livros.
— Por que não me contaram? — Tokku interrompeu.
— Não sabíamos o que era exatamente e não queríamos nos meter em encrenca. — Kaolin disse chateada. — Nosso lar ficou abandonado por anos, temíamos perdê-lo de novo.
— Nosso pai trabalhava nas plantações, — Ignorando a interrupção, Amana prosseguiu. — por isso as pessoas acharam melhor que eu estudasse para seguir esse ramo. Já a nossa mãe, era uma Exploradora, mas como ficou grávida da Kaolin, permitiram que ela não fosse em missões por um tempo. Logo quando ela voltou a ativa, engravidou de novo.
Amana iluminava as anotações que segurava com seu cristal, dizendo:
— Acredito que nossa mãe, por ficar muito tempo aqui cuidando de dois bebês sem ir em missões, foi designada para outros trabalhos. Onde ela descobriu esses livros e os trouxe para casa. Segundo essas anotações, tem algo de errado com a Cidadela. Imagino que ela tenha chegado muito perto da verdade, e por isso, a assassinaram. Claro que é apenas uma teoria que montei ao longo dos anos, mas provavelmente mataram meu pai pelo mesmo motivo.
— Isso é um absurdo. — Tokku se recusava a acreditar.
— Absurdo é o que nos contaram. — Amana retrucou. — Nossa mãe morrer em uma missão é aceitável, mas dizer que nosso pai morreu em um acidente na plantação? Nunca houve acidente nenhum em todos esses anos. Estou estudando desde os dez anos de idade para trabalhar lá e te garanto, não há como acontecer algo ali que tire uma vida. Já confirmei com seus pais e vários outros moradores, ninguém nunca viu os corpos de nossos pais.
— Amana acredita que a nossa mãe deve ter contado o que descobriu para o nosso pai. — Kaolin tentou explicar melhor. — E isso custou a vida dos dois.
— Que tipo de informação poderia custar a vida de alguém? — Endi falou pela primeira vez desde que entraram ali.
— Informações sobre o passado do mundo exterior. — Respondeu Amana.
Tokku pegou o caderno e começou a olhar as anotações.
— Segundo o que está escrito aí, — Amana apontava para o caderno. — nossa mãe acreditava que tudo na Cidadela era uma mentira. Ela estava tentando reunir provas.
Endi não sabia o que dizer. O rapaz honestamente pensava que não devia estar ali. Tokku passava os olhos pelas anotações tentando entender a situação. Eram escritas bagunçadas, provavelmente feitas às pressas. Não estavam em nenhuma ordem exatamente, pelo menos não em uma que ele conseguisse identificar. Amana deve ter gasto meses organizando tudo aquilo, para fazer algum tipo de sentido.
— Confesso que nunca levei esses livros tão a sério quanto a Amana. — Kaolin soava triste. — Afinal, nada disso vai trazer nossos pais de volta.
— Mas é a nossa chance de descobrir a verdade. — Amana disse decidida.
— Não tem como realmente provar que essas anotações são de sua mãe ou se o que elas dizem são verdade. — Tokku analisava seriamente.
— E de quem mais seriam? — Perguntou Amana.
Tokku não respondeu.
— É por isso que estão nos seguindo? — Endi se sentia confuso.
— Ninguém sabe dos livros, apenas nós. — Kaolin respondeu.
— Se tudo o que dizem for verdade, — Tokku fechou o caderno. — devem estar tentando se livrar de Endi.
— Possivelmente. — Amana concordou.
— É a única explicação. — Tokku pensou. — Não faz sentido os anciãos permitirem tão facilmente que alguém de fora da Cidadela viva aqui normalmente. Mas pensar que chegariam ao ponto de matá-lo? Me parece um tanto exagerado.
— Talvez só queiram colocá-lo de volta na prisão. — Falou Kaolin desesperada.
— Duvido muito. — Amana cochichou para Endi.
Os quatro permaneceram sem falar nada por alguns instantes. Tokku foi o primeiro a quebrar o silêncio:
— Tudo bem. Vamos fazer o seguinte: vou voltar para casa e fingir que está tudo normal. Vocês três fiquem aqui. Não acho uma boa ideia Endi ficar sozinho na casa ao lado. Assim que meus pais dormirem, vou garantir que está tudo seguro por lá e voltarei.
Todos concordaram balançando a cabeça. Tokku continuou:
— Não adianta entrar em pânico. Não há nada que possamos fazer agora. Precisamos bolar um plano para nos mantermos seguros. Vamos para a sala.
Mesmo ansiosos e com medo, acharam melhor esperar em um cômodo mais arejado. A sala secreta no quarto de Amana não foi feita para comportar quatro pessoas e eles começaram a sentir falta de ar.
De volta na sala principal, Tokku se despediu e foi embora, fingindo estar tudo bem, no caso de estarem sendo observados. Kaolin, Amana e Endi aguardavam em silêncio na sala, sentados ao redor da mesa. A mais velha estava triste por ter escondido o segredo dos livros do melhor amigo. A mais nova pensava nas anotações da mãe, tentando juntar as peças. O recém-chegado se preocupava com a suposição de que os anciãos o queriam morto. No centro da mesa estava o livro que relatava o passado, juntamente com o caderno de anotações.
De repente, Lin apareceu pulando na entrada. Por um breve momento, olhou os jovens sentados. Sem que eles notassem sua presença, o macaco foi para o quarto de Kaolin. Era como se ele sentisse que algo não estava bem e achou melhor não incomodar.
Todos aguardavam o retorno de Tokku. Não sabiam exatamente quanto tempo se passou. Tudo o que lhes restava era esperar. O som a distância diminuía, indicando que a primeira noite do festival estava chegando ao fim. Era estranho pensar que ainda haveriam dois dias de festa. A mente de cada um dos jovens sentados no grande tapete, vagava em pensamentos distantes.
Começaram a escutar passos se aproximando. Todos olharam na direção da entrada. Puxando a cortina amarela para o lado, Tokku entrou na casa dizendo:
— Está tudo bem com meus pais. Talvez não fosse realmente necessário checá-los, mas toda essa história de assassinato me deixou apreensivo.
Ele sentou ao redor da mesa, observando o grande livro que estava sobre ela.
— Vamos por partes. — O Capitão falava calmo. — Sabemos que estamos sendo seguidos, mas não temos absoluta certeza do motivo. A melhor hipótese é a de que estão atrás do Endi. Precisamos descobrir o que eles realmente querem antes de tomarmos alguma decisão.
— Você não consegue descobrir? — Kaolin perguntou à ele.
— Eu sou responsável por organizar os Exploradores e as missões na superfície. — Tokku respondeu. — Não tenho fácil acesso a outros tipos de informações sigilosas.
— Então o que sugere? — Amana o olhava séria.
— Vamos ter que invadir a sala do General. — Tokku já estava se arrependendo da ideia.
— Agora? — Kaolin disse ansiosa.
— Não adianta, não tenho a chave do armário de arquivos. — Explicou Tokku. — E mesmo que tenhamos acesso aos arquivos, não há garantia de que eles terão informações sobre Endi.
Todos olhavam para Tokku, que disse:
— Amanhã, Endi vai trabalhar com o Katu. Estará seguro com ele. É melhor que fique em locais movimentados, cercado de pessoas. Acredito que não tentarão nada com tantas testemunhas.
— Entendi. — Endi acenou com a cabeça.
— Como ainda é dia de festival, — Continuou Tokku. — apenas os setores mais importantes, como o da água, vão trabalhar. Também não há aula. Kaolin e Amana podem ficar em casa agindo naturalmente. Não façam nada suspeito.
— Só isso? — Amana o encarava.
— Por enquanto. — Tokku disse inseguro. — Vocês duas esperam aqui, Endi vai trabalhar para ficar em segurança, enquanto eu procuro arquivos ou documentos sobre ele.
— Parece simples. — Kaolin disse surpresa.
— Acho prudente investigar antes de tomar alguma ação. — Concluiu Tokku.
Sentindo que aquele assunto estava encerrado por enquanto, Amana abriu o livro que estava na mesa, empurrando-o na direção de Tokku e Endi.
— Este livro relata como a humanidade vivia. — Explicou Amana. — Aparentemente, éramos uma sociedade muito avançada e tecnológica. Haviam humanos espalhados por todo o planeta.
Kaolin já conhecia o livro, mas os rapazes estavam vendo as imagens e descrições pela primeira vez. Imagens de uma vida na superfície como eles nunca imaginaram. Era assustador pensar que aquele tipo de mundo foi real. Era ainda mais assustador pensar que tudo aquilo se perdeu.
Construções altas que pareciam tocar o céu. Objetos de metal que transportavam pessoas a longas distâncias. Aparelhos variados com todas as funções que pudessem imaginar. Muitas das imagens não faziam sentido para eles, apenas após ler a descrição é que entendiam vagamente o propósito do que era mostrado.
— Não acredito que o mundo era assim. — Endi estava chocado.
— Todas as informações são específicas demais para terem sido inventadas. — Amana parecia segura. — Olhem todos esses detalhes e essas imagens. Não são desenhos comuns. É alguma tecnologia que se perdeu na superfície.
— Mas qual a relação do mundo antigo da superfície com o nosso caso presente? — Tokku disse descrente.
— Quando achamos o esconderijo, — Kaolin olhava para o chão. — encontramos esse livro mostrando como era o passado, um caderno cheio de anotações confusas, um livro com a história da Cidadela igual a que aprendemos na escola, e... E um... Um diário.
Kaolin colocou o diário sobre a mesa, empurrando-o na direção de Tokku.
— Quem é Taîyra? — Endi perguntou, olhando o nome escrito na capa.
— Nossa mãe. — Kaolin respondeu. — Lendo as anotações, vai encontrar também o nome Porang, era nosso pai.
— Várias páginas foram arrancadas. — Amana apontou para o diário. — Durante anos venho tentando decifrar o que exatamente minha mãe descobriu. Tudo o que sei é que algo não está certo com a Cidadela.
Tokku abriu o diário e leu em sua mente o que estava escrito em uma das páginas:
"Acredito que descobriram que um dos livros desapareceu. Não existem muitos esconderijos na Cidadela, tudo é vigiado. Melhor colocá-lo em outro lugar, perto do cristal central é arriscado demais. Não entendo o motivo de esconderem o passado de nós."
— O que exatamente você pretende fazer com essas informações? — Tokku olhou nos olhos de Amana.
— Descobrir a verdade sobre a morte de meus pais. — Amana respondeu.
— Desculpa falar assim, mas... — Endi disse com insegurança. — Qual a relação de tudo isso comigo?
— Se for verdade que estão tentando te eliminar por você ser da superfície, prova que estão tentando esconder algo. — Respondeu Amana.
Os olhos de Tokku liam os escritos de outra página do diário:
"Temo que minha família esteja em perigo. Contei minhas descobertas para Porang, mas isso foi um erro. Devo fazer o que for preciso para proteger minhas filhas, antes que seja tarde demais."
Eram muitas informações novas para eles em um curto período de tempo. Kaolin foi em sua primeira missão e escapou da morte graças à água tocada pelos espíritos. Endi, um humano da superfície, entrou na Cidadela. Amana revelou os livros secretos para Tokku, que aprendeu sobre o mundo antigo. Além de ter um festival acontecendo e alguém seguindo o grupo.
Tokku fechou o diário. Não sabia o que pensar, apenas sentia um aperto em seu peito. Conseguia ver que Kaolin estava péssima por ter escondido tudo isso dele por tanto tempo e não estava zangado com ela. Tokku compreendia muito bem a situação da jovem. As irmãs perderam os pais muito cedo e Amana culpava a Cidadela por ter crescido órfã. Tokku lamentava não poder fazer mais para ajudá-las.
— Vamos dormir. — O Capitão disse com a voz exausta.
Nesse momento, ele não prestou atenção se os outros estavam conversando ou em silêncio, se lhe responderam ou não. Apenas colocou o diário sobre a mesa, deitou em um canto da sala, virando de costas para os colegas.
Ao mesmo tempo em que a mente de Tokku pensava mil coisas diferentes, ele sentia um vazio. O que deveria fazer? O que era verdade? O que estava acontecendo? Poucos dias atrás sua vida era comum e sem grandes problemas. Quanto mais ele pensava, mais o vazio aumentava.
De repente, sentiu um pesado cobertor em seu corpo. Quando virou a cabeça, viu Kaolin indo em direção ao quarto dela. A mesa já estava do outro lado da sala, Amana provavelmente estava no quarto dela também e Endi dormia no tapete, ao lado de Tokku. Apesar da confusão mental, o cansaço físico era tão grande que levou apenas alguns minutos para o rapaz adormecer.
***
Na manhã seguinte, Tokku foi o primeiro a acordar. Ficou deitado pensando em como executaria o plano que ele mesmo sugeriu. Enquanto simulava diferentes situações em sua mente, Amana levantou. A garota foi até o quarto da irmã, para acordá-la. Em seguida, despertou Endi.
Kaolin foi em direção a cozinha para pegar alguns alimentos. Tokku colocou a mesa de volta no centro do tapete, Endi dobrou as cobertas e Amana pegou água fresca no rio. Cada um fez sua parte e logo estavam sentados ao redor da mesa, comendo.
— Então é isso. — Tokku disse. — Vou acompanhar Endi até o trabalho, para garantir a segurança dele. Depois vou colocar o plano em ação.
— Você tem um plano específico para pegar os arquivos? — Endi perguntou.
Tokku produziu um som estranho, negando com a cabeça. Claramente estava tendo dificuldades em pensar como faria aquilo. Ele recusava a aceitar ajuda, com medo de prejudicar os amigos e os envolver em algo perigoso.
— Nos vemos mais tarde. — Tokku se despediu.
Os rapazes saíram pela cortina amarela, deixando as irmãs sozinhas na casa. Rapidamente, Amana pegou algumas folhas que estavam em seu quarto e as colocou sobre a mesa, em frente à Kaolin.
— Nosso plano é o seguinte. — Amana começou empolgada.
— Como assim nosso plano? — Kaolin arregalou os olhos.
— Você acha mesmo que vamos passar o dia aqui, sem fazer nada, enquanto Endi corre perigo e Tokku se arrisca por algo que nem sabemos se vai produzir resultados? — Amana debochou.
Kaolin tinha uma expressão estranha no rosto, como se seus planos de dormir o dia inteiro, como geralmente fazia em datas festivas, tivessem sido arruinados.
— Nós vamos procurar por respostas de verdade. — Amana apontava para as folhas que estavam na mesa. — Achei melhor esconder essas páginas, pois Tokku só ficaria mais preocupado.
Kaolin pegou uma das folhas e leu a anotação:
"Preciso entrar naquela maldita sala. É provavelmente a sala mais profunda de toda a Cidadela. Certeza que escondem algo valioso lá."
— Você está falando sério? — Kaolin perguntou assustada.
— A Sala dos Anciãos. — Amana respondeu. — A anotação só pode estar falando dela. É a sala mais distante, no final do túnel mais longo.
Amana notou uma expressão suspeita no rosto da irmã.
— Você sabe de algo. — Disse se aproximando.
— Bem... — Kaolin não conseguia disfarçar.
— Desembucha. — Amana tinha um tom ameaçador em sua voz.
— Quando estive na Sala dos Anciãos, — Kaolin contou. — notei uma pequena porta no fundo da sala.
— Um cômodo mais profundo e escondido... — Amana sussurrou.
Conhecendo a irmã como ela conhecia, Kaolin gritou:
— Amana, não!
— Você não vai me impedir. Sua única escolha é vir junto. — A caçula disse decidida.
— O que está acontecendo com você? — Kaolin parecia irritada. — Nesses últimos dias você tem estado muito estranha.
— Você não entende. —Amana respondeu baixinho.
— O que? — Suspirou Kaolin.
— Eu nem lembro do rosto de nossa mãe. — Amana olhou nos olhos da irmã. — Não tenho ideia de como era nosso pai. A Cidadela tirou eles de mim quando eu tinha apenas dois anos. É injusto! Eu quero respostas, quero explicações, quero justiça! Com a chegada de Endi, tudo isso está se tornando possível e não vou parar até conseguir.
— Amana... — Kaolin se aproximou.
— Isso é tudo o que tenho. — Amana disse em meio a lágrimas.
— Não é verdade. — Kaolin falou com ternura. — Temos Tokku e os pais dele. Temos o Lin. Temos uma a outra.
— Preciso descobrir a verdade do que aconteceu. Eu preciso disso. — Insistiu Amana.
A maior preocupação e prioridade de Kaolin é, e sempre foi, a segurança de sua irmã. Mas ela não podia negar que também queria descobrir a verdade sobre seus pais, sobre a Cidadela e sobre Endi. Suspirando fundo, a garota começou a bolar um plano.
— Tem alguém na sua turma em quem você confia completamente? — Kaolin perguntou.
— Potira. — Amana respondeu rapidamente.
— Sua namorada? — Kaolin sorriu.
— Ela não é minha namorada! — Amana virou o rosto.
— Tudo bem! — Kaolin segurava o riso. — Precisamos dela para meu plano.
— Ela vai correr perigo? — Amana olhou séria para a irmã.
— Não se preocupe. — Afirmou Kaolin.
Ao mesmo tempo em que elas debatiam o plano para entrar na Sala dos Anciãos, Endi já estava trabalhando com Katu e Tokku estava em sua sala, tentando ter alguma brilhante ideia de último minuto que pudesse tirá-los daquela situação.
As irmãs foram em direção ao norte. No oitavo andar do paredão oeste, morava Potira, amiga de Amana. Kaolin, que carregava uma mochila vazia, esperava do lado de fora, enquanto a irmã cumprimentava os pais da colega.
— Te procuramos ontem no festival. — A mãe de Potira disse.
— Tem muita gente no mesmo andar... — Amana tentava disfarçar.
Poucos minutos depois, após uma breve conversa casual, sem levantar suspeitas da família, as duas amigas saíram da casa e foram ao encontro de Kaolin.
Potira era pouca coisa mais alta do que Amana. Os cabelos enrolados ficavam na altura de seus ombros. Uma garota delicada e calma, sempre passando uma imagem de paz e tranquilidade. Ela usava um vestido comprido, verde claro, com rendas brancas nas bordas.
— E então... — Potira disse animada. — Que confusão estão aprontando?
Ela já conhecia bem as duas irmãs e sabia que tinham algo em mente.
— É um plano simples. — Kaolin fazia um sinal positivo com ambas as mãos.
— Simples até demais. — Amana se preocupava.
— É por ser simples que é genial! — Saltitou Kaolin.
— Podem contar comigo! — Sorria Potira.
Elas caminharam até o quinto andar. Entraram na sala de treinamento dos Exploradores, que estava vazia graças às festividades, onde Kaolin colocou algo pesado em sua mochila.
Conversando sobre o festival, para despistar curiosos, as três garotas foram andando até o terceiro andar. Fingindo passear sem rumo, foram em direção ao grande túnel que levava a sala que pretendiam invadir.
— Como ninguém nunca ousa entrar aí, — Kaolin explicava para Potira. — O lugar não é tão vigiado assim. Pode ser que não tenha ninguém na porta, ou podem ter guardas, como no dia em que fui com Tokku. Sua missão, caso eles estejam lá, é distraí-los e tirá-los do túnel, enquanto eu e Amana entramos na sala.
— Entendido. — Potira confirmou.
Ela era uma garota alegre, da mesma idade de Amana. As duas se conheceram três anos atrás, quando Amana começou o estudo especializado para aqueles que escolheram trabalhar nas plantações. Potira já estava acostumada com as confusões de Kaolin, e achava fascinante como a irmã mais nova podia ser mais madura e mais séria do que a mais velha.
As três caminharam juntas pelo grande túnel. Quando chegaram em uma parte mal iluminada, que parecia ser escura o suficiente para que não fossem notadas, Kaolin tirou o equipamento que trouxe de sua mochila. Era um dispositivo usado para permanecer no teto da Cidadela. Consistiam em grandes ganchos de metal, presos a um grande pedaço de tecido, forte o suficiente para perfurar o teto e aguentar o peso de um homem adulto. Semelhante a um balanço, usavam-no para escavar cristais ou arrumar o mecanismo do departamento de água que ficava preso no teto.
A garota começou a escalar a parede. Usando os próprios ganchos para se segurar no teto, ela prendeu um de cada lado. Geralmente, os dois ganchos são colocados mais próximos um do outro, deixando o tecido frouxo, onde a pessoa pode se sentar e fazer seu trabalho. Mas Kaolin os colocou bem distantes, esticando o tecido ao máximo. Garantiu que estavam firmes o suficiente e desceu pela parede novamente.
Amana olhava aquilo horrorizada, não entendia como a irmã tinha essas habilidades. Sempre correndo, pulando, escalando... Ficava cansada só de pensar no estilo de vida dos Exploradores. Potira, por outro lado, achava incrível e apreciava cada movimento estranho que Kaolin fazia.
— Os guardas devem estar no final do túnel. — Kaolin transpirava. — Vamos esperar aqui. Por favor Potira, confiamos em você!
Potira acenou confiante com a cabeça. Sempre que possível, adorava ouvir Amana contando sobre as divertidas brincadeiras de sua irmã mais velha. Estava feliz que enfim podia fazer parte de uma delas. A garota não sabia dos detalhes da missão. Imaginava que estavam fazendo apenas alguma travessura, aproveitando o dia de folga do festival.
Amana tentou escalar a parede, falhando miseravelmente. Sem paciência, Kaolin a colocou em suas costas. Usando muita força bruta, ela subiu até o tecido escuro. Deitando nele, elas ficaram coladas ao teto e aguardaram.
Enquanto isso, em outra sala também no terceiro andar, Tokku resolveu partir para a ação. Não conseguindo pensar em nada muito elaborado, preferiu arriscar e improvisar. Ansioso, o jovem Capitão estava indo na direção da sala do General.
No túnel, Potira enfim chegou na grande porta, onde havia dois guardas. Eles se olharam, sem entender o que a garota fazia ali. Ela aguardava sorrindo em silêncio.
— O que você faz aqui? — Um dos guardas perguntou confuso.
Não era comum ver alguém entrar ali sem ser convidado. Os moradores da Cidadela não tinham vontade de quebrar as regras. Acreditavam que tudo estava em paz, havia boa comida e trabalho para todos. Confiavam que tinham liberdade e eram bem governados.
— Uma senhora bem velha está caída na entrada. — Potira parou de sorrir. — Acho que ela morreu.
— O quão velha? — O outro guarda disse preocupado.
— Muito velha. — Potira o olhava sem piscar.
A situação era tão bizarra, que sem tempo para pensar e com medo das consequências da possibilidade de aquela senhora ser Marã, e de não terem agido rápido o suficiente, os guardas resolveram checar o que estava acontecendo. Um deles segurou Potira pelo braço:
— Você vem conosco.
Kaolin e Amana seguraram a respiração quando escutaram eles se aproximando. Distraídos e preocupados, os guardas passaram sem olhar para o teto escuro. Assim que estavam distantes outra vez, as irmãs desceram e correram em direção à sala. O plano tinha funcionado.
Ao abrirem com força as grandes portas, notaram a sala vazia.
— Os anciãos devem estar em suas casas descansando ou se preparando para o festival. — Amana disse com confiança.
Kaolin foi diretamente para a pequena entrada no fundo da sala. Afastando a cortina vermelho escuro, viu em sua frente um pequeno cômodo retangular. Em todas as paredes, prateleiras cheias de livros. No centro, uma pequena mesa, com apenas uma única vela que iluminava o local.
— Não temos tempo para tudo isso! — Kaolin disse em pânico quando viu a quantidade de livros.
— Não precisamos de todos. — Amana rapidamente olhava apenas os títulos. — Procure algo que pareça suspeito, algum caderno ou algo que não seja um livro exatamente.
Passando os olhos pelas prateleiras, elas procuravam alguma coisa que chamasse sua atenção. Amana se deparou com um livro de capa branca, sem título. Ao abri-lo, sentiu seu coração parar de bater.
— São as páginas que faltavam do diário! — Exclamou empolgada.
— Eu não consigo achar nada! — Kaolin gritou desesperada. — Acho melhor irmos antes que eles voltem.
Aos olhos de Kaolin, os livros pareciam ser os mesmos que haviam na escola. Amana notou alguns títulos diferenciados, que deduziu serem sobre o mundo antigo, mas cedendo à pressão de Kaolin, achou melhor irem embora. Colocando o livro com o que acreditava serem as páginas arrancadas do diário na mochila da irmã, as duas correram em direção a porta.
Enquanto isso, Tokku estava em frente a sala do General. Suando frio, ainda sem saber exatamente o que iria fazer. Quando se preparava para entrar, ouviu vozes cochichando:
— Eles querem que vocês acabem logo com isso.
— Estamos tentando, mas ele está sempre acompanhado.
— Não queremos mais desculpas. Tem que ser feito antes do festival acabar, porque quando tudo voltar ao normal, vai ser mais complicado.
— Sabemos disso.
Do lado de fora, um guarda veio correndo desesperado pelo corredor. Em pânico, sem dar grande atenção ao Capitão parado ali, empurrou Tokku para longe da entrada, que caiu perto de um barril do outro lado. O guarda entrou na sala dizendo:
— General! Temos uma emergência!
— O que? — O General tinha um sanduíche em sua boca.
— Aconteceu algo com a Marã. — O guarda gritou.
Largando o lanche mordido na mesa, o General e seu informante que estava na sala, acompanharam o guarda. Com pressa, foram na direção oposta e não notaram Tokku escondido atrás de um grande barril do outro lado do corredor. Sem entender exatamente o que aconteceu, mas aproveitando a oportunidade, Tokku entrou correndo na sala.
O rapaz não acreditou em sua sorte. Era ridículo. O General havia deixado as chaves na mesa, ao lado do sanduíche. Com rapidez, Tokku abriu o armário e procurou algo relacionado à Endi. Mas pelo visto sua sorte não era tão grande como pensou. Não encontrou nada que pudesse ser útil ao grupo. Colocou tudo de volta no lugar e sentou na cadeira do General, decepcionado.
Ainda no túnel, Kaolin tirou o equipamento do teto e o guardou novamente em sua mochila. Amana insistiu para que não deixassem provas. Correndo, elas tentavam sair dali antes que fossem vistas.
Ao chegarem na entrada, com cuidado, olharam para ver se havia alguém. Um pouco mais à frente, Potira estava com um dos guardas. As irmãs aproveitaram que eles olhavam para o outro lado e fugiram. Já estavam no andar de baixo quando Amana disse:
— Não posso deixá-la. Leve o livro para o esconderijo. Te encontro em casa.
Kaolin concordou e em um instante desapareceu nos túneis escuros. Quando Amana retornou ao terceiro andar, Potira estava rodeada por mais guardas e pelo General que acabava de chegar.
— O que exatamente você viu? — O General a interrogava.
— Uma senhora. — Potira respondia calmamente.
— Que senhora? — Um guarda perguntou.
— Muito velha. — A garota persistiu.
— Ela disse que havia uma senhora morta aqui. — Um dos guardas que estava na porta da Sala dos Anciãos falou.
— Vocês tem certeza de que era ela? — O General parecia preocupado.
— Aí está você! — Amana se aproximou sorrindo. — Estamos todos te procurando. O festival não acontece sozinho, sabia? Você precisa parar de fugir de suas tarefas.
— Quem é você? — Um dos guardas gritou.
— Ah... — Amana tentava se lembrar de sua irmã, que sempre inventava histórias no momento, se livrando das mais diversas situações. — Nós estávamos levando uma senhora para ver as plantações, pois ela disse que sentia saudades do tempo que trabalhava com o marido. Mas a senhora passou mal, então eu a acompanhei de volta até sua casa.
— Isso mesmo, uma senhora. — Potira sorria inocentemente.
— Devíamos estar ajudando no festival, então se não se importam, vamos voltar ao trabalho. — Amana segurou a mão de Potira e começou a correr.
— Foi apenas um mal entendido? — O guarda desesperado perguntou.
— Chequem as informações antes de me chamarem, seus imbecis. — Bufou o General.
As duas garotas corriam pelo corredor, dando risada. Não era possível que aquela história absurda havia convencido eles. Fazia muito tempo que Amana não se sentia leve e feliz dessa forma. Correndo pela Cidadela, como crianças comuns que brincavam em um dia de folga da escola, elas só pararam ao chegar no oitavo andar.
— Obrigada pela ajuda. — Amana disse ofegante.
— Foi divertido! — Potira apertou levemente a mão de Amana.
Por um momento, apenas por um brevíssimo momento, Amana esqueceu todos os problemas de sua vida. Só conseguia pensar no sorriso bobo de Potira. Infelizmente esse momento não durou para sempre.
— Eu... Eu preciso voltar. — Amana soltou a mão da amiga.
— Você e sua irmã estão bem? — Potira preocupou-se.
— Estamos. Depois te conto tudo. Um dia, quem sabe... — Amana disse se distanciando.
— Se precisar, sabe onde me encontrar. — Potira acenava, se despedindo.
Amana sorria enquanto acenava de volta. Assim que se virou, sua expressão ficou séria. Ela acelerou o passo, com pressa de chegar em casa.
Ainda na sala do General, Tokku decidiu retornar ao trabalho, pois não sabia mais o que fazer. Ao se levantar, bateu o joelho na mesa. O impacto fez com que ele notasse uma gaveta na lateral. Abrindo-a, encontrou um envelope, e dentro dele um papel. Não acreditou na informação diante de seus olhos. Colocou o papel no bolso, o envelope na gaveta e correu.
Endi passou o dia trabalhando sem grandes problemas. Conseguiu distrair sua mente, o que era fácil estando ao redor do chefe bem humorado. Ele queria poder ajudar os amigos, mas achou melhor não atrapalhar e seguir o plano combinado. O pessoal foi liberado para ir embora mais cedo do que de costume, de acordo com Katu, precisavam se preparar e descansar para a segunda noite do festival.
Enquanto Endi caminhava em direção à casa das irmãs, a ansiedade e o medo de estar desacompanhado tomaram conta do garoto. Antes que percebesse, estava correndo a toda velocidade, parando apenas ao chegar na entrada com a cortina amarela.
Ao entrar na sala, Endi viu Kaolin, Amana e Tokku esperando por ele. Até Lin estava presente, todos sentados em volta da mesa.
— Se não formos vai ser pior. — Kaolin cruzou os braços.
— Não faz sentido correr mais riscos. — Amana disse séria.
— O importante é ficarmos juntos. — Tokku afirmou.
— Se não formos, vai ser mais suspeito ainda! — Kaolin deu um tapa na mesa.
— O que está acontecendo? — Endi falou confuso, ainda parado na entrada.
— Estamos decidindo se devemos ou não ir ao festival hoje. — Tokku respondeu.
— Lá é mais seguro do que aqui, tem um monte de pessoas! — Kaolin insistia.
— Você só quer ir para comer, não liga para a nossa segurança. — Amana revirou os olhos.
— Todo lugar é perigoso, por isso temos que ficar unidos. — Tokku tentava se manter calmo.
Endi sentou ao redor da mesa, do lado de Lin, observando a discussão.
— Vamos votar então. — Amana sugeriu.
— Eu voto para irmos ao festival. — Kaolin levantou a mão.
— Voto para ficarmos aqui. — Amana manteve seu braço abaixado.
— Não me importo se vamos ou não, desde que fiquemos todos juntos. — Tokku fazia de tudo para permanecer neutro.
— Eu gostaria de ir. — Endi disse inesperadamente.
Todos olharam para o rapaz. Estavam tão concentrados na discussão que provavelmente nem notaram quando ele se sentou. Agora Lin estava no joelho direito de Endi, que tinha as pernas cruzadas.
— Acho mais seguro no meio das pessoas. — Endi disse. — E se vou morrer logo, melhor aproveitar, não é mesmo?
— Como ousa brincar em uma hora dessas? — Amana se revoltou.
— Desculpa, só queria melhorar o clima... — Endi falou olhando para o chão.
Respirando fundo, mais calma, Amana disse:
— Bem, antes de qualquer coisa, precisamos te atualizar sobre o que aconteceu enquanto você trabalhava.
Kaolin empurrou o livro de capa branca que estava sobre a mesa na direção de Endi, dizendo:
— Encontramos isso em uma sala escondida na Sala dos Anciãos. Depois contamos os detalhes de como fizemos, foi bem emocionante. Enfim, O livro está completamente em branco, o que tem entre as páginas é o que nos chamou a atenção.
Endi pegou o livro e o abriu. Folheando, notou que haviam papéis de outra cor entre as páginas brancas. Pegou um deles, analisando-o. Demorou alguns segundos para fazer a conexão, exclamando:
— São do diário da sua mãe!
Amana abriu o diário que também estava na mesa, mostrando a parte onde algumas páginas haviam sido arrancadas. Endi tirou todas elas do meio do livro, espalhando-as na mesa.
— Acabamos de nos reunir aqui. — Amana explicou. — Ainda não tivemos tempo de analisar todos os detalhes.
Todos começaram a observar as páginas dispersas na mesa, procurando algo que lhes dessem respostas ou explicasse o motivo de terem sidos arrancadas. Olhando os papéis, uma figura chamou a atenção de Endi. Puxou a folha para perto de si com a mão direita, ao mesmo tempo que tocou em seu peito com a esquerda.
— Esse desenho... — Endi sussurrou.
— Você sabe o que é? — Amana perguntou curiosa.
Tirando um cordão de dentro de sua camiseta, Endi revelou um pequeno objeto amarrado à ele. Era um cone de vidro grosso, com um líquido transparente dentro. O cordão se entrelaçava no cone, que era bem pequeno.
— Tenho isso desde que me lembro. Meus pais disseram para nunca tirá-lo. — Endi contou.
Todos observavam o objeto com atenção.
— Vejam! — Amana se empolgou. — Na folha com a ilustração está escrito que a água dentro do receptáculo é de um rio em Ednargoir.
— O que mais? — Tokku perguntou.
— Só isso. — Amana olhava no verso da folha, desapontada.
— O que mais você sabe sobre ele? — Kaolin olhava para Endi.
— Nada, na verdade... — O rapaz respondeu desanimado. — Achei que era um amuleto qualquer que meus pais me deram para me sentir seguro.
— Eles não lhe falaram nada? — Amana insistiu.
— Não que eu me lembre... Apenas que isso me manteria a salvo. — Endi colocou o cordão novamente em seu pescoço.
— Será esse o motivo de estarem o seguindo? — Kaolin pensou.
— As outras páginas não têm mais informações? — Tokku começou a procurar.
Aparentemente, não haviam mais detalhes sobre o misterioso receptáculo ou sobre a água dentro dele. Porém, Tokku encontrou algo que o deixou sem respirar.
— Você está bem? — Kaolin notou que ele havia parado de se mover.
Tokku não respondeu. Ela notou que ele olhava fixo para uma folha em sua mão.
— O que você encontrou? — A garota pegou a folha com rapidez.
Amana estranhou ver os dois em silêncio. Kaolin olhava para a folha com uma expressão de horror.
— É sobre a ilustração? — Amana perguntou esperançosa.
— Não... — Tokku respondeu baixinho.
— Isso é... — Kaolin passou a folha para a irmã.
Amana leu em voz alta:
"Comecei minha nova função alguns meses atrás. Como foi decidido que eu não iria mais nas missões à superfície por conta da gravidez, me realocaram para uma função considerada mais segura. Meu atual dever é auxiliar o Capitão, registrando nos arquivos as datas das missões e os Exploradores designados à elas."
— Você sabia disso? — Endi perguntou olhando para Tokku.
— Eu não era o Capitão quando a Taîyra estava viva. — Tokku estranhou a pergunta. — Eu era apenas uma criança.
Amana continuou, ignorando a interrupção, aumentando o volume de sua voz:
"Após meses fazendo esses registros, comecei a notar um padrão. Ainda não posso afirmar com total certeza, mas acredito que podemos prever quando vamos ser atacados. Não existe uma data fixa para uma missão acontecer. Quando recebemos ordens de que estamos com falta de suprimentos, nos preparamos e vamos. Provavelmente por ser algo tão aleatório, ninguém notou isso antes. Não importa se vamos em missões uma, duas ou três vezes ao mês. Também não importa se ficamos meses sem ir à superfície. Nossa frequência para ir em missões é aleatória, mas todos os ataques têm algo em comum. Eles só acontecem nos dias com as noites mais escuras, noites de Lua Nova."
Agora, Amana também tinha uma expressão de choque em seu rosto.
— O que isso quer dizer? — Endi perguntou assustado.
— Quer dizer que todas aquelas mortes poderiam ter sido evitadas. — Tokku respondeu quase sussurrando.
— Mas como ninguém nunca notou isso antes? — Kaolin sentia vontade de chorar.
— Provavelmente notaram, assim como nossa mãe. — Amana estava pálida. — E provavelmente isso também lhes custou a vida.
— Você nunca reparou nesse detalhe, Tokku? — Desesperada, Kaolin olhou para o amigo.
— Não... Eu, eu só sou capitão a um ano e meio. — Tokku estava abalado. — É como sua mãe disse, às vezes temos missões bem sucedidas, às vezes ficamos um longo período sem nem ir à superfície... Eu nunca notei que só haviam mortes durante a Lua Nova.
— Você acha que todos que chegaram a essa conclusão foram eliminados? — Kaolin perguntou à irmã.
— Não posso afirmar, mas é o que parece. — Amana respondeu triste.
— Então que bom que você nunca prestou tanta atenção assim quando fazia os relatórios. — Kaolin encostou o punho no braço de Tokku.
— Mas eu devia ter notado, devia ter impedido as missões nesses dias. — Tokku se lamentou.
— Não é sua culpa. As missões são muito aleatórias. Demorou meses até nossa mãe entender o padrão! — Amana colocou a mão no ombro do rapaz.
— Se você é culpado, então também sou. — Kaolin falou olhando-o nos olhos. — Todos os Exploradores têm acesso às datas das missões. Qualquer um de nós podia ter notado isso.
— Você não é responsável e essa discussão não vai nos levar a nada. — Tokku tentou mudar de assunto antes que o clima piorasse ainda mais. — Por que os ataques só acontecem nesses dias?
— O espírito responsável deve temer a luz. — Endi disse.
Todos o encaravam.
— Durante a Lua Nova, é quando a noite está mais escura. É a fase em que a Lua está em uma posição entre o Sol e a Terra. É a fase que em ela menos reflete luz, entendem?
— Nossa... — Kaolin deixou escapar.
— Entendo bastante sobre como a natureza funciona, mesmo sem conhecer as tecnologias que vocês têm aqui. — Endi se manteve calmo. — Tenho outros tipos de conhecimento.
— Sei que você sabe muitas coisas. — Kaolin tentou se explicar. — É que nunca falou dessa forma... Até parecia a Amana. — Ela riu.
— Sua informação foi bem técnica. — Tokku concordou.
— Sei que estão tentando me ofender, mas considero isso um elogio. — Amana cruzou os braços e empinou o nariz. — Bem, pelo menos sabemos que a Cidadela não quer que ninguém tenha conhecimento sobre um dia específico quando ocorrem os ataques. Também descobrimos que o objeto que Endi carrega tem algum valor para eles, pois esconderam a ilustração.
— As outras anotações estão muito rasgadas e não fazem sentido. — Kaolin lamentou. — São frases soltas, sem começo ou fim.
— Ainda acho que foi imprudente demais da parte de vocês irem lá sozinhas. — Tokku falou seriamente. — Para piorar, envolveram a coitada da Potira. Mas fico feliz por terem conseguido essas informações.
— Só não ajuda muito no meu caso. — Endi parecia frustrado.
— Endi, — Kaolin olhou para o garoto com gentileza. — sobre isso, o que Tokku descobriu não é muito animador.
— Então você conseguiu invadir a sala do General? — Olhando para o Capitão, Endi perguntou empolgado.
— De certa forma, sim. — Tokku lhes contou como tudo ocorreu. — Ouvi o General dizendo que vão eliminar a pessoa, que acreditamos ser você, antes do festival acabar.
— Então eu só tenho até amanhã!? — Endi gritou, fazendo Lin pular para o colo de Amana. — Se hoje é a segunda noite do festival, significa que amanhã é meu último dia de vida!
— Calma! Vamos pensar em algo para te ajudar! — Tokku tirou uma folha amassada e manchada de seu bolso. — Quando invadi a sala do General, encontrei um envelope, e dentro dele, haviam algumas informações.
Tokku colocou o papel sobre a mesa. Era apenas uma simples folha, bem velha, mas que continha informações que eles jamais sonharam em obter.
— São instruções de como acabar com os espíritos. — Tokku falou.
Amana pegou o pedaço de papel com tanta velocidade que Tokku nem viu seus movimentos.
— Quer dizer que podemos matá-los? — Se surpreendeu Kaolin.
— Matar, não. É uma forma de selamento. — Amana lia as instruções. — Aparentemente, quando um espírito ingere um pedaço de Cristal Berab, o cristal absorve a energia do espírito.
— O espírito fica selado dentro do cristal! — Tokku se exaltou.
— Mas se quebrar o cristal, o espírito é libertado novamente. — Amana prosseguiu lendo. — É preciso muito cuidado.
— Provavelmente por isso a Cidadela nunca foi atacada. Os cristais devem nos manter seguros. — Tokku estava muito feliz com a descoberta.
— Depois de tantas novidades ruins, isso parece algo promissor. — Endi entendia a felicidade do colega.
— Por que esconderam essa informação? Por que nunca contaram para os Exploradores pelo menos? — Kaolin questionou.
— Provavelmente não queriam que saíssemos caçando os espíritos. — Amana supôs.
— Talvez fosse para nos manter em segurança. — Pensou Tokku.
— Se desde o começo nós tivéssemos nos livrado dos espíritos, hoje poderíamos viver na superfície novamente. — Kaolin disse fervorosa.
— Olha, tem mais uma coisa... — Tokku sussurrou. — Acho que Taîyra pode estar viva.
CURIOSIDADES
Nomes
A mãe de Kaolin se chama Taîyra, que significa "filha" em tupi.
O pai de Kaolin se chama Porang, que significa "bonito" em tupi.
A amiga de Amana se chama Potira, que significa "flor" em tupi.
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